O que sou e o que serei

O SENHOR me disse: “Você não será apenas o meu servo que trará de volta os israelitas que ficaram vivos e criará de novo a nação de Israel. Eu farei também com que você seja uma luz para os outros povos a fim de levar a minha salvação ao mundo inteiro.” Is 49,6
Moisés e a sarça ardente, Aaron Deal (1980-)
Algumas máximas criadas recentemente tomaram o lugar de versículos bíblicos tanto nas camisetas quantos nos adesivos dos carros. “Tudo é força, mas só Deus é poder.” Este é um exemplo típico do que digo: um jogo de palavras cuja inversão surtiria o mesmo efeito. Contudo, o que eu queria me referir mais especificamente é este: “Deus não escolhe os capacitados, capacita os escolhidos.”

Tenho pensado até que ponto esta é uma verdade tão absoluta que mereça figurar entre as verdades bíblicas ou que tenha peso suficiente para servir de modelo à identidade cristã. Temos um exemplo bastante claro de que isto nem sempre é verdade quando Deus escolheu os seus apóstolos, os continuadores da mensagem do seu Filho. Foi justamente a escolha do mais capacitado deles que vingou. Foi o mais capacitado que levou e evangelho mais longe e aos mais diferentes povos. Foi o mais capacitado deles que livrou o evangelho de se tornar uma seita judaica. Foi o mais capacitado deles que determinou os mais importantes princípios que regem o Cristianismo. Foi o mais capacitado deles quem sozinho escreveu mais de um terço de todo o Segundo Testamento.

Por que Deus, na sua infinita sabedoria, não poderia lançar mão dos recursos que bem quer? Particularmente, ou seja, na minha própria vida, eu poderia até aplicar esta regra em muitas ocasiões, principalmente como estímulo a empreendimentos que julgo estarem acima das minhas habilidades. Mas quando tento desafiar outra pessoa com este argumento, simplesmente cometo a grosseria de chamá-la de incapaz, desdenho de saída a virtude da sua modéstia, e, de certa forma, me estabeleço como seu superior, uma vez que também me vejo no direito de julgar suas capacidades e do quanto ela necessita de capacitações.

Outra situação que colabora com a inverossimilidade deste argumento é a escolha de Moisés. Aí está mais um exemplo claro da incapacidade que é usada por Deus quando na sua forma mais natural. Moisés tinha oitenta anos quando foi escolhido, era gago e dependente financeiramente do seu sogro. Deus não lhe fez uma recauchutagem geral, como diríamos hoje. Não modificou o seu sistema vital para que ele se sentisse mais jovem e com mais disposição. Ordenou tacitamente que ele desafiasse o todo poderoso Faraó do Egito com as suas deficiências e murmurações.

O que dizer, então, de Jeremias? Deus escolheu uma criança para fazer o serviço de gente grande, e quão grande precisava ser este escolhido. Por que Deus não esperou pela sua maturidade? Por que Deus não o enviou antes para uma escola de profetas? Por que foi desencavar justamente o filho de um sacerdote de terceira categoria, que morava numa cidade de foras da lei, para ser um dos maiores profetas que história da salvação jamais conheceu?

O segundo Isaías não se calaria diante deste argumento. No versículo supracitado ele deixa bem explícito que todos somos igualmente apenas servos, mas que uma vez que fomos escolhidos por ele, pouco importará o que realmente somos, mais sim o que seremos, pois é ele quem nos fará ser exatamente o que o seu plano de salvação necessita que sejamos, quer estejamos ou não capazes, quer estejamos ou não capacitados.

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