O álibi de quem não tem

Moisés e Aarão perante Faraó, Jean Dinteville (1498-1554)
Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o. Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro. Ex 32.24


A Bíblia descreve na história dos dois irmãos, Moisés e Aarão, uma situação que lança luzes reveladoras sobre qual é o verdadeiro sentido que o tempo da Quaresma deveria ter para a igreja. Moisés estava sozinho no monte Sinai e Aarão com o povo no deserto. Em rápidas palavras poderíamos dizer que Moisés estava esperando as ordens para a marcha que mudaria a história da humanidade, e Aarão tentando contornar os problemas de um povo desnorteado. O contraste moral e espiritual entre eles é ainda mais significante. Moisés estava isolado, abrindo seu coração diante de Deus por quarenta dias a espera de uma manifestação sua. Embaixo, o povo, sem entender a razão da demora de Moisés, já começando a achar que errou ao sair do Egito, pois lá tinham panelas de carne e pão para se fartar.

Eles não queriam um Deus invisível que os fazia esperar, mas deuses como tinham os egípcios, que podiam ser visto e tocados. Afinal, estes deuses tinham feito grande sucesso, pois transformaram o Egito na maior potência da época. Aarão era um político, e fez exatamente o que o povo queria que fosse feito. Um simples não evitaria uma enorme tragédia, mas ainda assim, me é muito difícil julgar esta atitude de Aarão. Como bom brasileiro, eu sei da dificuldade de se dizer não. Quase ninguém está pronto para dizer não.

O problema se instaura quando Moisés desce do monte, vê o bezerro de ouro e pergunta a Aarão: Que te fez este povo para cometeres tão grande pecado? É aí que Aarão dá a resposta mais esfarrapada que poderia: Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o. Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro. Parece coisa de criança. Parece que Aarão não sabia o que estava fazendo. Parece que tudo foi consequência do destino, afinal, quando se joga ouro no fogo, logo aparece um bezerro de ouro pronto e acabado. Alguém duvida que esta ideia já existia? Que eles tinham artífices prontos para executá-la? Que eles já tinham um molde? Aquele ídolo não foi um simples acidente como Aarão disse. Cinismo é o que move o mundo civilizado, as novelas estão aí para provar o que digo. Nelas, ninguém quer se responsabilizar pelos seus atos. Talvez seja isso que os escritores tentaram nos dizer. O mundo é deste jeito, ninguém assume nada. Estamos vivendo dias ruins como o que levaram o autor do Eclesiastes a dizer: Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória, nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes, o favor; porém tudo depende do tempo e do acaso. (Ec 9.11)

Ninguém sabe o que sairá do fogo. As pessoas jogam o seu ouro lá e esperam que aconteça de tudo, até um bezerro pode sair. Vivemos em um mundo onde a disciplina, a lealdade e a integridade não velem nada. Até o universo é fraudulento, estão sempre dizendo que ele vai acabar, mas ele insiste em continuar existindo. Por isso a pergunta: Como podemos viver num mundo onde o esforço não é premiado e o mal não é punido? Se nada importa, então tudo é válido. Podemos todos ser brincalhões como Aarão até o dia em que aparecer um profeta como Moisés e detonar a nossa fantasia. Como nós precisamos de um profeta como ele para desfazer as ilusões em que vivemos, e fazer a mesma coisa conosco. 

É bem certo que todos nós gostaríamos de receber mais do que recebemos e de possuir mais do que possuímos, mas alguém já se perguntou o que é que estão realmente recebendo aqueles que pensam que estão recebendo muito mais do que precisam? No sermão do monte fez três vezes uma declaração intrinsecamente julgamental: Eles já receberam a sua recompensa. No segmento desta meditação falaremos sobre elas. (continua)

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