Bem aventurados os (vós) que choram, porque serão consolados (havereis de rir)
As bem aventuranças, Tissot |
Como se pode reparar na leitura dos dois textos sugeridos, a ordem das palavras de Jesus usada no Sermão do Monte é diferente para cada evangelista, portanto, para prosseguimento desta reflexão se faz necessário optar por uma delas. Então, tenho o privilégio de informar que seremos guiados pela orientação dada por Mateus, por ser a mais conhecida e aceita.
Deste modo, chegamos à segunda bem aventurança do sermão da montanha, a bem aventurança que diz respeito aos que choram. O choro, esse sentimento sublime para muitos, assumiu características negativas na nossa cultura ocidental; principalmente o choro de um homem. Pelo menos, para aqueles que são de gerações mais antigas, foi ensinado que homem que é homem não chora, que o bom cabrito não berra, que não nunca se deve “chiar”, fazer reclamação, nem chororô, ainda que estes sejam justos. Devemos, como homens que somos, esperar pela nossa hora de vingança, a hora da vingança que na gíria carioca chamava-se a hora de ir às “forras”. Diante deste quadro lamentável, mas real, parece que esta bem aventurança declarada e enfatizada por Jesus perde um pouco da sua razão de ser, uma vez que o choro não se apresenta, digamos assim, como um bom sinal. E na realidade não é para ser mesmo um bom sinal.
É bom que se diga de antemão que antes da contrapartida de Lucas, que diz depois do choro virá o riso, que é a sequência natural contida em muitos salmos e provérbios ditos e repetidos a toda hora, o que de mais urgente quer aquele que chora é ser consolado, e não rir, mesmo porque seu estado não permite que encontre motivos que o leve a tal euforia, a não ser que se lhe mostre a prova da negação total do motivo que o faz chorar. Como a maioria das perdas que nos fazem chorar são irreversíveis, como é o caso de algumas separações definitivas como a morte, temos que nos curvar ante a sabedoria do povo brasileiro, e dar razão aos poetas populares que tanta propriedade falaram deste assunto, como o Lulu Santos, quando diz: Ainda vai levar um tempo, pra fechar o que feriu por dentro. Natural que seja assim, tanto pra você quanto pra mim. Ainda leva uma cara, pra gente poder dar risada. Assim caminha a humanidade com passos de formiga e sem vontade.
A palavra chave desta bem aventurança é consolo, pois esta é a responsabilidade para com os que choram que Jesus quis nos ensinar, sejam eles orientais ou ocidentais, homens ou mulheres. Não considerando aqui, é claro, as palavras “consoladoras” que no fundo pesam mais do que a própria dor, e por isso muitos hospitais fecham as suas portas a visitas de grupos “evangélicos”, uma palavra apropriada de compaixão é sempre bem recebida por aquele que sofre. Ele aguarda ansiosamente por algo que o console e o conforte na hora em que se sente sozinho, abandonado por todos, inclusive por Deus. Particularmente acho impressionante a precisão das descrições, primordialmente nestas horas, que estes grupos fazem do inferno. Parece mais coisa de quem chegou de lá recentemente.
Não canso e enquanto pregar o evangelho não vou me cansar de recomendar aos que choram a leitura de um livrete de Stanley Jones chamado Quando a tristeza chega, porque a tristeza que leva ao choro, mais dia, menos dia, chega, e chega mesmo. É justamente nesta hora que aqueles que se dizem colaboradores de Deus, servos do Altíssimo, e herdeiros de suas promessas devem se fazer presentes e atuantes. Mas para que o consolo seja eficaz e produza o fruto pretendido pela bem aventurança, não temos o direito de nos esquecer jamais de que o que mais doeu em Jesus na hora do seu martírio não foram as ofensas, as torturas, a humilhação ou os abusos, tudo isso ele suportou heroica e voluntariamente por nós. O que mais lhe doeu, e que foi o único motivo do seu lamento, foi sim o fato de se sentir abandonado por todos, principalmente pelo seu Deus.
É exatamente à pessoa que se encontra neste estado que a bem aventurança é dirigida. A partir do sermão do monte todos devem se sentir bem aventurados, porque quando a tristeza os fizerem chorar vocês poderão contar com os discípulos de Jesus para consolá-los. Assim como Israel esperava pelo consolo de Deus, a alma aflita espera que ele se manifeste, e ele se manifesta preferencialmente através de nós, os seus enviados.
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