Felizes os que choram

Bem aventurados os (vós) que choram, porque serão consolados (havereis de rir)
As bem aventuranças, Tissot
Para melhor compreensão desta unidade recomendamos que se faça as leituras paralelas de Mt 5.1-12 e Lc 6.20-28.

Como se pode reparar na leitura dos dois textos sugeridos, a ordem das palavras de Jesus usada no Sermão do Monte é diferente para cada evangelista, portanto, para prosseguimento desta reflexão se faz necessário optar por uma delas. Então, tenho o privilégio de informar que seremos guiados pela orientação dada por Mateus, por ser a mais conhecida e aceita.

Deste modo, chegamos à segunda bem aventurança do sermão da montanha, a bem aventurança que diz respeito aos que choram. O choro, esse sentimento sublime para muitos, assumiu características negativas na nossa cultura ocidental; principalmente o choro de um homem. Pelo menos, para aqueles que são de gerações mais antigas, foi ensinado que homem que é homem não chora, que o bom cabrito não berra, que não nunca se deve “chiar”, fazer reclamação, nem chororô, ainda que estes sejam justos. Devemos, como homens que somos, esperar pela nossa hora de vingança, a hora da vingança que na gíria carioca chamava-se a hora de ir às “forras”. Diante deste quadro lamentável, mas real, parece que esta bem aventurança declarada e enfatizada por Jesus perde um pouco da sua razão de ser, uma vez que o choro não se apresenta, digamos assim, como um bom sinal. E na realidade não é para ser mesmo um bom sinal.

É bom que se diga de antemão que antes da contrapartida de Lucas, que diz depois do choro virá o riso, que é a sequência natural contida em muitos salmos e provérbios ditos e repetidos a toda hora, o que de mais urgente quer aquele que chora é ser consolado, e não rir, mesmo porque seu estado não permite que encontre motivos que o leve a tal euforia, a não ser que se lhe mostre a prova da negação total do motivo que o faz chorar. Como a maioria das perdas que nos fazem chorar são irreversíveis, como é o caso de algumas separações definitivas como a morte, temos que nos curvar ante a sabedoria do povo brasileiro, e dar razão aos poetas populares que tanta propriedade falaram deste assunto, como o Lulu Santos, quando diz: Ainda vai levar um tempo, pra fechar o que feriu por dentro. Natural que seja assim, tanto pra você quanto pra mim. Ainda leva uma cara, pra gente poder dar risada. Assim caminha a humanidade com passos de formiga e sem vontade.

A palavra chave desta bem aventurança é consolo, pois esta é a responsabilidade para com os que choram que Jesus quis nos ensinar, sejam eles orientais ou ocidentais, homens ou mulheres. Não considerando aqui, é claro, as palavras “consoladoras” que no fundo pesam mais do que a própria dor, e por isso muitos hospitais fecham as suas portas a visitas de grupos “evangélicos”, uma palavra apropriada de compaixão é sempre bem recebida por aquele que sofre. Ele aguarda ansiosamente por algo que o console e o conforte na hora em que se sente sozinho, abandonado por todos, inclusive por Deus. Particularmente acho impressionante a precisão das descrições, primordialmente nestas horas, que estes grupos fazem do inferno. Parece mais coisa de quem chegou de lá recentemente.

Não canso e enquanto pregar o evangelho não vou me cansar de recomendar aos que choram a leitura de um livrete de Stanley Jones chamado Quando a tristeza chega, porque a tristeza que leva ao choro, mais dia, menos dia, chega, e chega mesmo. É justamente nesta hora que aqueles que se dizem colaboradores de Deus, servos do Altíssimo, e herdeiros de suas promessas devem se fazer presentes e atuantes. Mas para que o consolo seja eficaz e produza o fruto pretendido pela bem aventurança, não temos o direito de nos esquecer jamais de que o que mais doeu em Jesus na hora do seu martírio não foram as ofensas, as torturas, a humilhação ou os abusos, tudo isso ele suportou heroica e voluntariamente por nós. O que mais lhe doeu, e que foi o único motivo do seu lamento, foi sim o fato de se sentir abandonado por todos, principalmente pelo seu Deus.

É exatamente à pessoa que se encontra neste estado que a bem aventurança é dirigida. A partir do sermão do monte todos devem se sentir bem aventurados, porque quando a tristeza os fizerem chorar vocês poderão contar com os discípulos de Jesus para consolá-los. Assim como Israel esperava pelo consolo de Deus, a alma aflita espera que ele se manifeste, e ele se manifesta preferencialmente através de nós, os seus enviados. 

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