Fugindo para Emaús

Ceia em Emaús, Michelangelo de Caravaggio (1571-1610)
Leia João 24,13-34

Texto baseado em sermão do rev. Garrison.

Na sexta ele morreu. Depois veio o sábado, que deveria ser o pior dia para aqueles que o seguiam. Mas não parece que foi assim. Pelo menos para alguns destes o pior dia foi o domingo, domingo que para os judeus era como a nossa segunda feira, e não vamos nos esquecer de que todos eles eram judeus. A vida votou ao normal, e a vida sempre volta ao normal na segunda feira, é claro. Diante deste fato, estas mesmas pessoas entenderam que tanto a vida de Jesus como a sua morte não iriam fazer diferença alguma para o mundo e a sua história. 

Seria muito fácil crer que a vida de Jesus simplesmente não tinha mais qualquer importância. Ele teve momentos extraordinários; ele fez alegações estupendas; muita gente tinha confiado nele; muita gente tinha colocado as suas esperanças nele, mas agora ele estava morto. É bem certo que havia rumores sobre o túmulo vazio e as mulheres que voltaram de lá antes do sol nascer, vieram contando histórias extraordinárias, mas isso é coisa comum das mulheres. Elas sempre arrumam um jeito de fantasiar os acontecimentos. Bem, não fui eu que disse isso, não vou comprar essa briga, mas rumores são sempre rumores.

Pelo menos para dois dos seus seguidores não havia mais nada a fazer senão fugir de Jerusalém, e foi isso que eles fizeram. Mas para onde eles foram? Eles foram para um povoado chamado Emaús. Mas por que Emaús, onde ficava esta cidade que jamais tinha sido citada nos evangelhos? Logo se conclui que Emaús não era grande coisa, não significava nada, pois nem aparecia nos mapas. Ficava a dez quilômetros de Jerusalém, e esta era a distância mínima que todos devemos ter de uma situação insuportável. Saibam que não há qualquer de nós que não foi junto com eles para Emaús. São lugares diferentes, mas todos nós temos os nossos Emaús. 

Emaús pode ser uma ida ao cinema com o intuito de ficar sozinho. Emaús pode ser a ida uma festa apenas para passar o tempo. Pode ser a compra de um vestido, um terno ou um sapato. Comer mais do que devia ou ler um livro apenas por não ter o que fazer. Emaús pode ser também ir à igreja aos domingos. Emaús é qualquer coisa que fazemos ou qualquer lugar que vamos para tentar esquecer. Tentar esquecer que nada nesse mundo é eterno, e que até as pessoas mais importantes e influentes na nossa vida, os mais fortes, os mais bonitos e os mais inteligentes, declinam e morrem. Emaús é o lugar que vamos para nos esquecer de que até as ideias mais brilhantes que os serem humanos tiveram ao longo de sua história, sobre as coisas mais nobres que existem, como o amor, a liberdade e a justiça, tem sido distorcidas, quando não são totalmente negadas pelas pessoas egocêntricas e pelo egocentrismo generalizado.


Emaús é o lugar onde aqueles dois foram para tentarem esquecer o que aconteceu em Jerusalém, o que aconteceu com Jesus e o grande fracasso da vida dele que foi a crucificação, e essa não é uma história singular. Todas as narrativas de como Jesus se apresentou após a sua morte são histórias comuns, e o que se pode observar de mais notável sobre elas é como elas são corriqueiras, como são normais. Se fosse eu quem as tivesse escrito não seria desta maneira. Eu as escreveria de forma muito mais dramática, bem mais melancólica. Mas graças a Deus a Bíblia não é assim. O nosso texto Bíblico descreve apenas dois homens andando por uma estrada empoeirada, indo a um lugar insignificante, o que não é nada incomum. De repente um estranho chegou perto e começou a caminhar com eles. Os discípulos o viram, e, por razões que nunca saberemos, não o reconheceram. Mas é certo que não o reconheceram porque ainda não o tinham conhecido, ou pelo menos não o conheciam como ele realmente era. Eles o conheciam segundo o seu desejo de como queriam que ele fosse. Todos os discípulos o queriam um herói. Eles queriam um Messias que iria restabelecer a hegemonia de Israel, que para eles era a plenitude do Reino de Deus, no poder e na marra. Queriam um herói que daria respostas fáceis às questões mais difíceis da vida. Respostas sobre o amor e o perdão, sobre a bondade, sobre a dor e sobre a morte.

Jesus conseguiu se juntar a eles mesmo parecendo ser um estranho, e chegando a Emaús fez menção de que ia seguir adiante. Mas os dois insistiram para que ficasse e passasse aquela noite em Emaús. Jesus aceitou o convite e comeu com eles. Somente quando Jesus partiu o pão e lhes deu que ambos o reconheceram, mas Jesus desapareceu da frente deles. Interessante, porque desta vez os dois não puderam segurá-lo. Eles queriam o que todos nós queremos, segurá-lo, impedir que ele se vá, mas não dá mesmo. Jesus vem de repente, como quem vem de lugar nenhum, como o primeiro raio de sol após uma noite de tempestade ou mesmo como o raio que rasga a escuridão. Talvez nós o reconheçamos, talvez não, mas as nossas vidas nunca mais serão as mesmas.

Nenhum comentário:

ads 728x90 B
Tecnologia do Blogger.