Você crê nisso?

Ressurreição de Lázaro, Luca Giordano
 Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente. Crês isto? Jo 11,25-26

Essa é a pergunta que não quer calar. Não é como muitos pensam, uma pergunta exclusiva dos incrédulos quando questionam a fé daquele que crê. Pelo contrário, talvez seja a pergunta mais importante da fé cristã, como também de todo credo que possui um mínimo de indignação. A todo instante somos chamados a respondê-la, ou nos sentimos na obrigação de fazê-la. No momento atual em que o mundo possui tantas certezas que estão firmemente calcadas em fatos incontestáveis, crer que na possibilidade de uma transformação radical não acontece sem que por vários modos e por diversas vezes façamos a nós mesmos esta pergunta. Quando somos confrontados na nossa fé com as inovações e conveniências do neopentecostalismo precisamos mais do que nunca fazer aos que nos desafiam com as suas sandices esta mesma pergunta.

Mas quando o texto da ressurreição de Lázaro aponta para cada um de nós, confrontando-nos com a promessa mais radical do evangelho, esta pergunta assume uma dimensão totalmente outra de todas as vezes que nos perguntamos ou que fomos perguntados. Quando a dor e o infortúnio batem à nossa porta, na hora em que o coração é tomado pelo sentimento de perda; no momento em que se questiona a mais firme convicção e a mais lúcida razão da fé; é exatamente quando essa pergunta cala mais fundo: Você ainda persiste em continuar acreditando a despeito de tudo? Quando me coloco no lugar de um pai, ou de uma mãe, de uma esposa ou marido, de um filho ou uma filha, que o coração está totalmente tomado pelo veneno do inconformismo, a única resposta que tenho para esta pergunta é: Eu não sei se creio.

Uma das tarefas mais árduas das quais enfrentei no meu ministério foi quando tive que oficiar o sepultamento do filho de um amigo que tinha exatamente a mesma idade do meu filho. O que eu poderia dizer para aquele pai quando a coisa que eu menos queria neste mundo era estar no lugar dele? O que poderia dizer para aquela mãe que, ao voltar para casa, nunca mais iria abraçar o seu filho, como eu pude, graças a Deus, fazer com o meu, imediatamente assim que retornei? Marta, você crê que a morte é uma barreira facilmente superável? Eu creio, Senhor. Mas você crê que a morte do seu irmão, aquele único que garantia o sustento seu e da sua irmã Maria, que era quem defendia vocês dos maus intencionados, pode ser também uma dessas barreiras facilmente superáveis?

Estou incumbido com a honrosa tarefa de, no domingo que se aproxima, em um espaço especialmente reservado do culto matutino, falar um pouco da vida do meu amigo João Wesley Dornellas, a quem já me referi algumas vezes direta ou indiretamente neste blog. Falar a respeito do que o João fez é uma tarefa relativamente fácil. Qualquer retrospectiva mínima da sua vida cobriria tranquilamente um bom espaço do culto. Falar para outras pessoas a respeito do que o Wesley representou para a igreja, já é um pouco mais complicado, porque poucos vão acreditar que ele fez o que fez sendo apenas um leigo que não almejava qualquer cargo de poder. Mas falar dele para a sua esposa, para os seus filhos e noras, falar para as pessoas, que como eu, o conheciam bem é praticamente impossível. O que dizer para uma mulher que perdeu a sua referência de quase sessenta anos de convívio estreito e amoroso? O que dizer para os seus netos que através dele ficaram conhecendo as novidades mais impactantes do passado? O que dizer para nós que fomos seus alunos na Escola Dominical quando as dúvidas da fé nos assaltarem?

Sinceramente espero que, enquanto eu estiver nesta busca pelas palavras precisas e apropriadas, ninguém venha me perguntar no que ou se realmente eu creio. Simplesmente vou balbuciar as palavras de Marta acerca de outras dimensões que a fé contempla. Mas o que eu queria de fato era não ter que falar dele, e sim com ele. E preferia que ele não tivesse morrido. E talvez seja essa a única possa dizer àquelas pessoas que estarão presentes ao culto. Dizer à sua família que ela não está sozinha nessa dor. Que nós, seus amigos, lamentamos e choramos profundamente essa perda. E que Deus me ilumine, e que faça ser entendido pelas pessoas que não o conheciam e pelas que ainda não se deram conta da sua morte, o quanto aquele homem fará falta.

Eu disse no começo que lidar com a morte, pelo menos para mim, não é nada fácil. E eu só posso entender que Jesus, através do diálogo com Marta no caminho de sepulcro de Lázaro, e através também do seu único pranto digno de registro em todo o evangelho, estava querendo nos desafiar a crer na ressurreição, mas nos fazendo entender que ela somente se faz possível quando a perda é sincera e visceralmente lamentada. 

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