Sermão com rabo (final)

Apedrejamento de Estevão de Caravaggio
Antes que se imagine que as diferença entre as funções da igreja e do pastor são claramente definidas, devemos nos lembrar de que todos os cristãos são vocacionados ao ministério. Pelo menos é assim que Pedro define como deveria ser a igreja: Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. Não quer dizer com isso, que não exista uma ou outra função específica no ministério que seja exclusivamente função pastoral, mas essas geralmente são as mais degradantes e as que menos honras conferem. Paulo quando escreve aos coríntios nos dá uma ideia bem clara destes atributos pastorais. Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis. Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória do universo (a palavra grega traduzida aqui é peripsema, em breve falarei sobre ela).

Pode até parecer que o texto seja uma figuração ou que o mesmo possua a tal licença poética, mas Paulo fala destas coisas profundamente embasado numa experiência pessoal quando esteve em Listra. Ele e Barnabé, pela firmeza com que pregavam o evangelho, foram confundidos com os deuses gregos Mercúrio e Júpiter, após terem curado um aleijado. Os locais lhes deram todos os elementos para conseguirem um enorme sucesso na pregação do evangelho naquela cidade, mas, conscientes do intuito do ministério para o qual foram chamados, imediatamente repudiaram estes títulos, e por conta disso foram apedrejados até serem dados como mortos. Por ter passado por esta experiência, mais tarde Paulo conclui: Deus, na sua misericórdia, nos deu essa tarefa, e é por isso que nunca ficamos desanimados. Não agimos de má fé, nem falsificamos a mensagem de Deus. Porém nós que temos esse tesouro espiritual somos como potes de barro para que fique claro que o poder supremo pertence a Deus e não a nós.  Muitas vezes ficamos aflitos, mas não somos derrotados. Algumas vezes ficamos em dúvida, mas nunca ficamos desesperados. Temos muitos inimigos, mas nunca nos falta um amigo. Às vezes somos gravemente feridos, mas não somos destruídos. De modo que a morte está agindo em nós, e a vida está agindo em vocês.

Também se faz necessário que nos lembremos de que o pastor também faz parte da igreja, e que na mesma intensidade de qualquer outro membro é merecedor de carinho e atenção na justa medida. Contudo, é da boca de Jesus que ficamos sabendo aquilo que o pastor não pode ser de forma alguma, e este texto foi base da nossa meditação há poucos dias. Jesus foi bem textual quando afirmou: A ninguém chameis mestres; a ninguém sobre a terra chameis vosso pai; a ninguém chameis de guias, porque um só é vosso mestre, um só é vosso Pai, um só é vosso Guia.

Mas antes também que meus colegas me excomunguem, tenho que ser honesto em dizer que em todas as igrejas existem membros que tornam o ministério pastoral muito mais difícil do que ele naturalmente é. Certa vez ouvi de um tesoureiro de uma grande igreja evangélica: Eu não pago a pastor pra ficar pregando “essas coisas”. “Essas coisas” foram ditas um sermão duríssimo contra o regime militar, quando ainda estávamos vivendo os “anos de chumbo”, e que aquela era a mais lúcida interpretação do governo ditatorial brasileiro. Ninguém paga pastor para pregar. A pregação é uma compulsão incontrolável da vocação ministerial; é uma responsabilidade intransferível e inegável. Assim dizia Paulo: Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho! O pastor deve receber salário por vários motivos: para estar à disposição da igreja e para administrá-la com honestidade e sabedoria; estabelecer metas e estratégias de pregação do evangelho além de suas fronteiras.

A realidade mais contundente é que função pastoral prescinde de atributos que de forma alguma são dados a membros leigos. Ao pastor cabe a sensibilidade de se entristecer quando qualquer de seus membros morre, de alegra-se quando uma vitória é conquistada, de preocupar-se na mesma intensidade junto àquele que perde o emprego, de saber a hora em que deve largar noventa e nove ovelhas no pasto para ir atrás de uma que está perdida. Ele deve ser pago porque nesta hora ele deixa de lado as suas preocupações, as atenções que deve aos seus familiares, o cuidado que deve ter consigo e com seu ministério. Arrisca tudo isso em nome de um chamado que o faz diferente de toda a membresia, e é justamente por isso que ele é o pastor, enquanto todos os demais não são.

Apesar de todos os elementos contraditórios, tanto mais o pastor deve orgulhar-se de sua igreja, pois é dela toda a conquista em nome do evangelho, porque a ela foi dada todas as promessas do Reino. Ao pastor cabe apenas não se envergonhar da posição subalterna que exerce, pois foi para servir à mesa o seu chamado. Em duas ocasiões distintas Paulo fala de se dar grande importância a este orgulho completamente irracional:
Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego.
Por isso, estou sofrendo estas coisas; todavia, não me envergonho do evangelho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu tesouro até o dia final.

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