Da resistência à esperança

Juízo Final de Marten de Vos (1532–1603)
O texto de Lucas 18 1-8 que narra o embate da viúva com um juiz iníquo abre uma lacuna na pregação de Jesus. A tônica da sua mensagem era o Reino de Deus e o apelo ao arrependimento para se entrar nele, mas este texto fala de uma situação inquietante, que nos incomoda desde sempre. Isto, se considerarmos apenas os acontecimentos do cotidiano, se a transportamos para o contexto econômico mundial, torna-se uma tragédia. Ele expõe uma situação totalmente contrária à novidade de vida que o evangelho vem propor, porque ela nos remete ao descaso, à demora e à morosidade da justiça humana, que não são, como podemos perceber, privilégios do nosso tempo.

Então por que Jesus foi comparar um mal que assola a todas as sociedades, com a justiça do seu Pai? Por que Jesus faz uma comparação como essa que é tão absurda aos nossos olhos? A parábola é mais ou menos assim: tinha um juiz que estava sendo amolado por uma viúva para que julgasse a causa dela. Estava com tanto medo que ela o moleste - a palavra molestar no grego significa bater até deixar uma mancha roxa – que resolveu dar uma sentença para que ela deixasse de amolá-lo. A Nova Tradução na Linguagem de Hoje traduziu assim: vou dar a sentença em favor dela. Na realidade, o juiz não vai fazer um julgamento imparcial, vai dar logo o que ela que, para que ela desapareça de vez. Olhem quanta coisa errada tem aqui: um juiz que demora propositalmente em fazer julgamentos; um juiz que tem medo de uma das partes da questão; um juiz que dá a sentença que lhe é mais conveniente; um juiz que não está nem aí para a justiça.

O que a parábola descreve é uma autoridade venal, que precisa ser vigiada, que não se pode deixar agir livremente. Então, o que é que Deus tem a ver com isso? Será que Jesus está dizendo que quando não alcançamos o que desejamos é necessário insistir com Deus. Está dizendo que é preciso encher o saco de Deus para que ele nos atenda? Temos plena certeza de que Jesus não disse isso, mas tem muita gente aí achando que ele disse. Tem gente que está propondo mudanças em certos ditados populares. E um deles é aquele que diz assim: quando um não quer dois não brigam. Não é mais assim não, esse ditado mudou.  Agora ele é: quando um não quer, o outro insiste. Quem é pai ou mãe sabe muito bem disso. Acabou a fase do “eu falei está falado”. Agora o que os filhos mais fazem é questionar as decisões dos pais. Todo mundo agora quer contestar. Estão aí os tribunais de pequenas causas que não me deixam mentir.

Mas será que é isso que Jesus está propondo? Que devemos sempre insistentemente questionar as decisões das autoridades? Será que o fato de não aceitarmos uma decisão justa porque não nos é favorável, pode, através do caminho da insistente reclamação com Deus, torná-la favorável? Me parece que aqui quem está sendo questionada não é a justiça de Deus e sim a justiça dos homens em uma situação bem específica.


Para um melhor esclarecimento, precisamos estar atentos a algumas palavras que fazem diferença no texto. A parábola diz: prestem atenção no que aquele juiz iníquo disse. Já de saída se estabelece aqui uma espécie de oximoro: juiz iníquo. Oximoro é uma figura de linguagem que tenta ligar duas ideias absurdamente contrária, como por exemplo: morte feliz, inocente culpa ilustre desconhecido. Nós ocidentais adoramos colocar predicados nos nomes. As pessoas e as coisas nunca são somente o que são, damos sempre um jeito de qualificá-las. Na Bíblia isso não é muito comum, o nome tem um peso bastante significativo. O nome é muito mais importante do que o adjetivo pela qual se identifica o que se quer referir. Certa vez um sujeito chamou Jesus de bom mestre, pra que? Ele retrucou imediatamente. Por que você está me chamando de bom? Bom é Deus, disse ele.



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