Atração fatal

Evangélicos ajudam garis após o desfile (Foto: Igreja Base Church)
Jeú reuniu o povo de Samaria e disse: — O rei Acabe serviu pouco o deus Baal, mas eu o servirei muito. Portanto, reúnam agora todos os profetas de Baal, todos os seus adoradores e todos os seus sacerdotes. Que não falte nenhum, pois eu vou oferecer um grande sacrifício a Baal, e quem não vier será morto! Mas esse era um jeito de Jeú enganar os adoradores de Baal para poder matá-los. II Reis 10.18-19

Esse é mais um daqueles textos bíblicos que evito comentar devido à sua alta complexidade. Para dizer a verdade é um dos textos que não vejo razão alguma para constar na narrativa bíblica, pelo simples fato de descrever uma falcatrua macabra que é declaradamente oposta ao ensino de Jesus. Apesar da minha relutância essa é a segunda vez que faço uso dele, pois em 12 de outubro de 2012 foi o texto basilar da meditação tripartida que levou o título de “O espírito do Natal”, onde está escrito: Jeú, sob o falso pretexto de realizar um grande culto em louvor a Baal, o maior deus de seus históricos inimigos, os filisteus, manda convidar todos os seus seguidores, intimando-os sob pena de morte a estarem presentes ao culto. Certificando-se de que não há nenhum seguidor do Deus de Israel infiltrado no meio deles e, aproveitando-se do êxtase da adoração que acompanhava o culto a esse deus, manda matar a todos os que ali estavam. Em resumo: atraiu para matar.

Mas não foi a atração fatal que me deixou perplexo e sim a imediata associação que me veio a mente, sugerindo que essa narrativa fizesse referência explicita ao evento mais marcante do desfile das Escolas de Samba, que foi a adesão presencial de líderes religiosos, mais especificamente pastores evangélicos, ao tema no mínimo controverso escolhido pela Mangueira como enredo.

Para a grande maioria dos apreciadores dos desfiles carnavalescos tudo se resume naquilo que transparece na avenida. Mas na realidade, o que é mostrado para o público é apenas a ponta do iceberg, na perspectiva bíblia, apenas o chifre reluzente do bezerro de ouro. Poucos sabem o que está por trás daquele visual luxuoso e delirante. Não fazem ideia do trabalho escravo que acontece nos meses que o antecedem, nos barracões. Pessoas sem registro em carteira, trabalhando excessivas horas sem segurança, sem direitos trabalhistas, sem a remuneração devida, isso quando o pagamento não é feito em outra moeda reconhecidamente ilícita. São essas mesmas pessoas que passarão a noite em pé nos dias do desfile se espremendo nos alambrados para poder ter um relance furtivo do fruto do seu trabalho, que ora está sendo exibido por uma pessoa que sequer viram um dia em sua vida. O desfile é para as pessoas que podem pagar, reprisando na íntegra a fábula do papagaio e do periquito sobre o milho. Não sabem também que a escolha do enredo é uma jogada de marketing, mas a do samba enredo é diferente. É decidida à bala entre as facções criminosas e que há muito não leva em conta a criatividade dos autores e compositores.

Caso esses líderes religiosos tenham ido a algum ensaio na quadra da Escola, e é presumível que sim, fatalmente foram recepcionados no estacionamento por crianças de nove a doze anos, armadas com fuzis de uso militar e com a seguinte recomendação: Pode deixar o carro aberto que ninguém mexe não. Uma vez dentro da quadra, devem ter reparado no intenso comércio de substâncias alucinógenas, de joias e de eletrônicos de procedência duvidosa.

Mas se tiverem ido ainda mais fundo, irão enxergar o óbvio, pois só não enxerga quem não quer enxergar. Lá, atrás dos bastidores e do palco das marionetes sambando alegres na avenida, tem alguém quem puxa as cordinhas. E essas são pessoas de caráter diametralmente oposto aos ditames da fé cristã e não falo aqui de simples pecadores, tais como ladrões de celulares e agentes do tráfico, mas sim dos Belzebus maiorais desse inferno dantesco: os donos do morro, os banqueiros do bicho e os reais chefões do tráfico. Tenho a ligeira impressão de que esse demônio, travestido de Jeú, mandou seu mestre se cerimônias atrair os tais pastores para a fatalidade, dizendo: Venham desfilar na minha escola que eu vou lhes apresentar uma “nova leitura do evangelho” a partir do pó que cheirei e do crack que fumei que me propiciou uma ótica diferente daquela que vocês estão acostumados a pregar.

No entanto, por pior isso que possa parecer, o objetivo final era bem outro. A proposta era sacrificar os ideais cristãos na mente das pessoas que acreditam piamente nos seus líderes religiosos, mas que ainda não têm uma convicção segura do que instrui a sua fé em relação à sua conduta no mundo. Segundo li nas mídias sociais, essa inocente adesão levou pessoas a declarar publicamente que a Mangueira, nesse desfile, pregou mais o evangelho do que a maioria das igrejas o faz todos os domingos.

Mais tragicômico ainda, é que essa arremetida contra um dos mais idolatrados símbolos de boa parte dos cristãos ao redor do mundo, juntamente com a crítica mordaz à igreja, foram engendradas por quem não tem estatura moral sequer para citar o seu nome. E tudo se passou debaixo da hasteg “respeito”. Disse e repito: Vocês, pastores, estão de sacanagem. Procurem antes discernir os espíritos que motivam e os espíritos que controlam essa iniciativa dita popular. Nada contra o Carnaval, mas tudo contra quem quer fazer do mal bem e do bem mal; fazer do amargo doce e da escuridão luz.

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