Tem mundo pra todo mundo

Crédito da imagem: Força Jovem Foz

Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. João 17.15

Algumas palavras que têm relevância na Bíblia precisam ser frequentemente revistas para que o sentido em que foram empregadas originalmente seja recuperado. Uma delas é a palavra mundo, pois esta assumiu no meio evangélico um sentido tão pejorativo que, quando pronunciada, imediatamente faz soar um sonoro sinal de alerta em virtude da sua alta periculosidade para a vida do cristão. Porém, advertida ou inadvertidamente nos esquecemos de que no texto sagrado a palavra mundo possui mais de um significado, sendo que a maioria deles são alvos diretos da atenção e do carinho de Deus e que mesmo aquele sentido de mundo que faz soar mais alto o alarme da nossa consciência de cristãos, não tem tanto do poder diabólico quanto pensamos.

Em primeiro lugar a Bíblia fala de mundo como criação de Deus. Muito embora haja no presente século um esforço consensual para transferir esse magnífico desempenho para algo chamado Mãe Natureza, expressão que no seu substantivo não é encontrada nas Escrituras, o cristão tem por obrigação entender que o evangelho não começa em Mateus 1.1, e sim em Gênesis 1.1: No princípio criou Deus os céus e a terra. Se não cremos que foi Deus quem nos criou, que motivos temos para acreditar que ele nos ama tanto? Esse breve e contestado relato descreve não somente o quanto Deus ama, mas também o quanto esse amor é antigo. Deus começa amando o mundo mesmo antes de criá-lo e essa criação perfeita e ordenada é a prova de que o mundo foi criado com amor, posto antes do ato criador o seu Espírito inconformado estava com a predominância do caos.

A Bíblia fala do mundo de gentes. Fala do mundo das pessoas a quem Deus tanto amou a ponto de entregar seu Filho para resgatá-las de toda e qualquer condenação das quais pudessem ser acusadas. Do mundo no qual o Filho de Deus veio para servir e não para ser servido. O mundo que Deus considerou tão precioso quanto um tesouro escondido num campo e que não mediu sacrifícios, pelo contrário, deu tudo o que possuía para comprá-lo para si. O curioso de tudo é que foi nas pessoas do mundo, as de fora da igreja que Deus encontrou as virtudes que esperava encontrar nos religiosos do seu povo, povo que já se considerava de outro mundo. A mulher samaritana, a sírio-fenícia, no centurião e até mesmo em um ladrão.

A Bíblia também faz considerações de um mundo a ser superado, não que ele seja exatamente ruim, mas que precisa ser sempre tornado novo pela renovação da nossa mente. Paulo em Romanos 12.2 deixa isso claro quando nos diz: não vos conformeis com esse mundo. As palavras gregas aion e aionos, que na maioria das vezes que aparecem no Segundo Testamento são traduzidas por eternidade, às vezes aparecem também como século, indicando que devemos fazer mudanças nas coisas concernentes ao nosso tempo e não em um local específico. Jesus já nos havia alertado sobre a imprudência de se colocar remendo novo em roupa velha. O evangelho é para um novo tempo desse nosso mundo que pode e precisa ser renovado e não para outro mundo.

A Bíblia diz que o mundo que Deus vai salvar é esse mundo aqui. Muitos ficam esperando um arrebatamento que os tire desse mundo e os leve para outro mundo que nem sabem bem qual é. Porém, João do Apocalipse, seguindo a sua última visão, a visão da cidade eterna, relata a Jerusalém celeste descendo do céu, mas não fala nada de gente subindo ao seu encontro. Fala sim que Deus virá montar o seu tabernáculo entre homens e que neste nosso mundo fará novas as coisas que são próprias desse mundo. As coisas que estão fazendo esse mundo ser diferente do mundo que Deus se propõe a transformar.

Outro fator que corrobora com a ideia de preservação que Deus tem planejado para esse mundo é a ênfase eufórica que o mesmo João faz a narrativa da queda da grande meretriz, a Babilônia. Podemos ler em Apocalipse 17 que João conclui que na realidade Deus está falando de Roma: A mulher que você viu é a grande cidade que domina os reis do mundo inteiro. No capítulo 18 ele profetiza não somente a sua destruição, como ordena que seu povo saia dela: Saia dela povo meu. Fora da cidade o povo de Deus irá contemplar a destruição total de Roma, mas o seu povo não estará sozinho. Os outros moradores da cidade estarão também de fora, em outro lugar do mundo e, de fora, também contemplarão o seu fim: Os negociantes dessas coisas, que enriqueceram à custa dela, ficarão de longe, amedrontados com o tormento dela, e chorarão e se lamentarão... ao verem a fumaça do incêndio dela, exclamarão. Ou seja, a cidade queimara vazia e o mundo será preservado dessa destruição. As pessoas assistirão a sua queda.

Depois de tudo que foi exposto, vale lembrar que foi a própria igreja que ao longo dos anos permitiu que se perpetuasse entre seus membros a ideia de que o mundo ruim, o mundo mau ou o mundo contra Deus foi dotado por Satanás, pelo Diabo ou por qualquer outro ser maligno de um poder de atração muito forte. Os cristãos de hoje pensam que as coisas do mundo são os motivos que os levam a pecar porque elas têm um poder de atração muito grande e que por isso delas devemos nos afastar o máximo possível, ideia que a Bíblia nega peremptoriamente. A Bíblia é enfática, tanto em Romanos 7 como em Tiago 1, em afirmar que a tentação que nos faz pecar está dentro de nós mesmos e não nas coisas do mundo lá fora. O que a Bíblia nos diz é que não existe poder algum no mundo que seja maior ou que possa minimamente ofuscar o poder que foi dado à igreja por Jesus Cristo. O poder de investir contra as fortalezas do inferno, o poder de transformar o mal em bem e até mesmo o poder de definir o que vem a ser bom e o que, no seu entender, passa a ser mau nesse nosso mundo, pois foi dado somente a ela o poder de ligar e de desligar as coisas da terra com as do céu.

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