Crédito da imagem: Força Jovem Foz |
Algumas palavras que têm relevância na Bíblia precisam ser
frequentemente revistas para que o sentido em que foram empregadas originalmente
seja recuperado. Uma delas é a palavra mundo, pois esta assumiu no meio
evangélico um sentido tão pejorativo que, quando pronunciada, imediatamente faz
soar um sonoro sinal de alerta em virtude da sua alta periculosidade para a
vida do cristão. Porém, advertida ou inadvertidamente nos esquecemos de que no texto
sagrado a palavra mundo possui mais de um significado, sendo que a maioria deles
são alvos diretos da atenção e do carinho de Deus e que mesmo aquele sentido de
mundo que faz soar mais alto o alarme da nossa consciência de cristãos, não tem
tanto do poder diabólico quanto pensamos.
Em primeiro lugar a Bíblia fala de mundo como criação de
Deus. Muito embora haja no presente século um esforço consensual para
transferir esse magnífico desempenho para algo chamado Mãe Natureza, expressão
que no seu substantivo não é encontrada nas Escrituras, o cristão tem por
obrigação entender que o evangelho não começa em Mateus 1.1, e sim em Gênesis
1.1: No princípio criou Deus os céus e a
terra. Se não cremos que foi Deus quem nos criou, que motivos temos para
acreditar que ele nos ama tanto? Esse breve e contestado relato descreve não
somente o quanto Deus ama, mas também o quanto esse amor é antigo. Deus começa
amando o mundo mesmo antes de criá-lo e essa criação perfeita e ordenada é a
prova de que o mundo foi criado com amor, posto antes do ato criador o seu
Espírito inconformado estava com a predominância do caos.
A Bíblia fala do mundo de gentes. Fala do mundo das pessoas
a quem Deus tanto amou a ponto de entregar seu Filho para resgatá-las de toda e
qualquer condenação das quais pudessem ser acusadas. Do mundo no qual o Filho
de Deus veio para servir e não para ser servido. O mundo que Deus considerou
tão precioso quanto um tesouro escondido num campo e que não mediu sacrifícios,
pelo contrário, deu tudo o que possuía para comprá-lo para si. O curioso de
tudo é que foi nas pessoas do mundo, as de fora da igreja que Deus encontrou as
virtudes que esperava encontrar nos religiosos do seu povo, povo que já se considerava
de outro mundo. A mulher samaritana, a sírio-fenícia, no centurião e até mesmo
em um ladrão.
A Bíblia também faz considerações de um mundo a ser
superado, não que ele seja exatamente ruim, mas que precisa ser sempre tornado
novo pela renovação da nossa mente. Paulo em Romanos 12.2 deixa isso claro
quando nos diz: não vos conformeis com
esse mundo. As palavras gregas aion e
aionos, que na maioria das vezes que
aparecem no Segundo Testamento são traduzidas por eternidade, às vezes aparecem
também como século, indicando que devemos fazer mudanças nas coisas
concernentes ao nosso tempo e não em um local específico. Jesus já nos havia
alertado sobre a imprudência de se colocar remendo novo em roupa velha. O evangelho
é para um novo tempo desse nosso mundo que pode e precisa ser renovado e não
para outro mundo.
A Bíblia diz que o mundo que Deus vai salvar é esse mundo
aqui. Muitos ficam esperando um arrebatamento que os tire desse mundo e os leve
para outro mundo que nem sabem bem qual é. Porém, João do Apocalipse, seguindo
a sua última visão, a visão da cidade eterna, relata a Jerusalém celeste descendo
do céu, mas não fala nada de gente subindo ao seu encontro. Fala sim que Deus
virá montar o seu tabernáculo entre homens e que neste nosso mundo fará novas
as coisas que são próprias desse mundo. As coisas que estão fazendo esse mundo
ser diferente do mundo que Deus se propõe a transformar.
Outro fator que corrobora com a ideia de preservação que
Deus tem planejado para esse mundo é a ênfase eufórica que o mesmo João faz a
narrativa da queda da grande meretriz, a Babilônia. Podemos ler em Apocalipse
17 que João conclui que na realidade Deus está falando de Roma: A mulher que você viu é a grande cidade que
domina os reis do mundo inteiro. No capítulo 18 ele profetiza não somente a
sua destruição, como ordena que seu povo saia dela: Saia dela povo meu. Fora da cidade o povo de Deus irá contemplar a
destruição total de Roma, mas o seu povo não estará sozinho. Os outros
moradores da cidade estarão também de fora, em outro lugar do mundo e, de fora,
também contemplarão o seu fim: Os
negociantes dessas coisas, que enriqueceram à custa dela, ficarão de longe,
amedrontados com o tormento dela, e chorarão e se lamentarão... ao verem a
fumaça do incêndio dela, exclamarão. Ou seja, a cidade queimara vazia e o mundo
será preservado dessa destruição. As pessoas assistirão a sua queda.
Depois de tudo que foi exposto, vale lembrar que foi a
própria igreja que ao longo dos anos permitiu que se perpetuasse entre seus
membros a ideia de que o mundo ruim, o mundo mau ou o mundo contra Deus foi
dotado por Satanás, pelo Diabo ou por qualquer outro ser maligno de um poder de
atração muito forte. Os cristãos de hoje pensam que as coisas do mundo são os
motivos que os levam a pecar porque elas têm um poder de atração muito grande e
que por isso delas devemos nos afastar o máximo possível, ideia que a Bíblia
nega peremptoriamente. A Bíblia é enfática, tanto em Romanos 7 como em Tiago 1,
em afirmar que a tentação que nos faz pecar está dentro de nós mesmos e não nas
coisas do mundo lá fora. O que a Bíblia nos diz é que não existe poder algum no
mundo que seja maior ou que possa minimamente ofuscar o poder que foi dado à igreja
por Jesus Cristo. O poder de investir contra as fortalezas do inferno, o poder
de transformar o mal em bem e até mesmo o poder de definir o que vem a ser bom
e o que, no seu entender, passa a ser mau nesse nosso mundo, pois foi dado somente
a ela o poder de ligar e de desligar as coisas da terra com as do céu.
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