Guiará meus passos, não traçará meu caminho

Fundamento do karma, autor não identificado

Pois o nosso Deus é misericordioso e bondoso. Ele fará brilhar sobre nós a sua luz e do céu iluminará todos os que vivem na escuridão da sombra da morte, para guiar os nossos passos no caminho da paz. Lucas 1.78

Um caminho para mim traçou, diz a letra do hino Deus tem um plano, que é muito cantado em nossas igrejas. Esse é o resultado prático da pouca atenção que os cristãos de hoje têm dado ao sentido das palavras com que são usadas nas músicas que compõem a hinologia atual.  Por alguma lógica contida nas Escrituras não poderia ser que a ideia de um caminho traçado esteja mais para Tetê Espínola em Estava escrito nas estrelas do que propriamente para Sarah Poulton Kalley em Direção Divina (350 HE)? Não estaria esse verso mais afeito ao carma budista do que ao conceito de Iahweh yireh , Deus proverá? Já paramos para pensar que o fatalismo proposto por esse hino entra em reta de colisão com a disposição de um Deus, cujas misericórdias se renovam a cada manhã?

Porém, se as misericórdias que se fazem novas, que são inéditas a cada manhã e que são nos dadas gratuitamente para suprir cada necessidade, para alentar cada esperança e perdoar cada pecado não sirvam de argumento suficiente, vamos nos lembrar de que Deus não entra e interfere na nossa vida de supetão. Ele não arromba, mas bate à porta. O Salmo 115.6 diz: Os céus pertencem somente ao Senhor, mas a terra ele deu aos seres humanos. Até mesmo para fazer valer o seu plano de salvação, Deus não veio ao mundo dos homens como Deus, mas esvaziou-se da sua divindade e assumiu a forma de servo para habitar entre nós. O verbo habitar foi traduzido do grego ékenosen, que significa tabernáculo. Melhor seria dizer que Deus “tabernaculou”, armou a sua tenta tenda entre nós. Paulo na narrativa mais centrada do nascimento de Jesus, diz em Gálatas 4.4: veio como filho de mãe humana e viveu debaixo da lei.

Todos esses elementos apontam para Deus que não tem na mão uma agenda que consulte para decretar a sequência dos acontecimentos, mas que, do nada, chama à existência uma perspectiva inédita que vai se descortinando a cada nova situação, a cada novo desafio, para nos dar um novo recomeço, para nos tornar uma nova criatura. No texto sagrado, mais abundantemente no livro de Jó, encontramos todo um processo de desconstrução da doutrina da causa e efeito, muito comum no Budismo, no Hinduísmo e no Espiritismo. Muito embora algumas doutrinas protestantes se fundamentem na predestinação, mesmo essas não podem considerar que a presciência de Deus seja a causadora do fato, pois seria atribuir a Deus toda e qualquer origem do ato pecaminoso.

Deus tem um plano em cada criatura? Sim, porque assim determinou para a criação suas leis eternas e imutáveis; Deus enumera cada grão de areia? Sim, porque o universo foi criado com inteligência para que nada transgrida a sua harmonia; Para cada rio ele dá um leito? Sim, mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito.

Nada que esteja escrito nas estrelas ou em qualquer outro lugar pode minimamente ofuscar a mensagem da novidade que a Palavra de Deus nos traz. Portanto, absolutamente nada em nossa vida está fatalizado ou determinado, mesmo que seja assim cantado por muitos com a melhor das intenções.

Que esteja plenamente convicta a igreja que o caminho, para aqueles que querem se valer das Escrituras para orientar as suas vidas, é sempre o caminho do novo, do nunca visto, do jamais imaginado e do sequer cogitado. Pois, o que ninguém nunca viu nem ouviu, e o que jamais alguém pensou que podia acontecer, foi isso o que Deus preparou para aqueles que o amam.

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