Matar a obra também

Parábola dos talentos, imagem Catholoc Courier
Mas os principais sacerdotes resolveram matar também Lázaro; porque muitos dos judeus, por causa dele, voltavam crendo em Jesus. João 12

Existem alguns fatos no ministério de Jesus que não podem ser simplesmente ignorados, mesmo pelas pessoas mais incrédulas ou pelos ateus e agnósticos mais convictos.  Não me refiro aqui à quantidade de enorme de manuscritos que narram os acontecimentos com os quais ele esteve diretamente envolvido, corroborando assim com o que nos contam os evangelhos. Também não faço menção à nuvem de testemunhas que ouviram as suas pregações ou que atestaram a sua ressurreição pagando com a própria vida pelos seus testemunhos. Quero falar de resquícios das suas mensagens que acenderam ideias insólitas e iluminaram conceituações revolucionários que repercutem firmemente até hoje em nossa civilização, elementos que antes de Jesus jamais haviam sido sequer imaginados.

Um dos tais conceitos mais absurdos implantado por Jesus e que deveria ser seguido à risca pelos seus discípulos, pois foi dado sob forma de mandamento, foi uma totalmente nova concepção no relacionamento pessoal, que faz com que eles considerem passar a amar também os seus inimigos. Devo lembrar que os inimigos a quem Jesus se referiu são exatamente aqueles que naquele exato momento estariam tramando a sua morte, ou seja, ele exige que os seus seguidores amem os seus inimigos, inclusive os mais mortais.

Não existiu antes ou mesmo depois algum mestre da filosofia ou corrente ideológica que esboçasse algo, como já disse anteriormente, tão avassaladoramente absurdo.  A tradição judaica vigente ensinava a seu povo a abençoar os que os abençoavam e a amaldiçoar os que os amaldiçoavam. Para o pensamento grego, aqui testificado por Platão em sua obra A República, o paradigma era esse: A justiça consiste em amar e fazer bem aos amigos e odiar e fazer mal aos inimigos. Os orientais veneravam a figura de Sun Tzu, um general chinês que se especializou na arte eliminar sumariamente qualquer inimigo. Como podemos constatar, não existem parâmetros na história universal que antecipem ou que sejam precursores desse totalmente novo conceito trazido por Jesus.

Não foi somente esse. Dos primórdios da civilização até a época de Jesus, o mundo estava estabelecido sob a égide das classes sociais, em que vigorava a concepção de que a benção dos deuses era o único fator que regulamentava, de forma inflexível, a posição que cada pessoa deveria ocupar nessas classes. Um conceito muito próximo do que hoje em dia tenta ressuscitar a Teoria da Evolução de Darwin, quando estabelece que o mais forte, o mais rico, o mais capaz deve sempre prevalecer sobre os que têm em menor quantidade esses atributos e mais ainda, sobre os que não têm atributo algum. No tempo de Jesus o poder nato das autoridades não era questionado. O rei estava lá porque um deus o predestinou para reinar e ponto final. A cultura helenista dividia o povo em três classe: Os filósofos pensadores eram a cabeça; os soldados eram o coração e os demais trabalhadores constituíam o baixo ventre. Na sociedade teocrática judaica, os abençoados eram os ricos, os que tinham cultura, os que tinham prestígio e, principalmente, saúde física e mental. Todos os que não possuíam esses dotes foram punidos pela maldição de Deus e nada havia que pudesse mudar esse quadro. Não é de se estranhar o espanto do clero judaico quando Jesus curou um cego de nascença?

É neste cenário que Jesus vai contar a parábola dos talentos. E essa parábola, que parece pouco relevante aos olhos da igreja de hoje, vai derrubar definitivamente a consensual sina da hierarquia natural, quando declara que não importa o quanto de vantagens a pessoa recebeu por herança genética ou material, mas sim o que ela vai fazer acontecer com aquilo que recebeu. Essa parábola é simplesmente a primeira das regras morais que mais tarde regerão os republicanos na revolução francesa. Jesus é a voz que pela primeira vez na história da civilização se levanta para valorizar o trabalho em detrimento dos atributos pessoais.

Vamos voltar a esse assunto, mas se o que foi exposto já é muito para a cabeça de qualquer não cristão ou mesmo de um cristão não familiarizado com a doutrina dos evangelhos, como pensamos que receberam essas novidades os contemporâneos de Jesus? Se imediatamente à ressurreição de Lázaro, Caifás e sua trupe decidiram matar Jesus, também imediatamente lhes veio a constatação de que matar a ele somente não seria suficiente. Teriam que matar também todos aqueles que tiveram a sua mente transformada pela sua mensagem. Não é sem motivo que os regimes totalitários ateus incutem nos povos que dominam que esse crédito se deve a Marx e Engels. Mas eles não têm como negar o que foi ouvido, assimilado e vivido ao longo de dois mil anos por uma corrente de heróis e heroínas que nos legaram incólume mais essa preciosidade extraída da biografia daquele em quem repousa a nossa fé, pois como disse Spurgeon: ela não repousa sobre o que sou, ou serei, ou sinto ou sei; mas sobre o que Cristo é, sobre o que ele fez e sobre o que ele está fazendo agora, por mim.

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