Uma mulher doente

A mulher com fluxo de sangue, autor não identificado
...pois pensava assim: Se eu apenas tocar na capa dele, ficarei curada. Marcos 5.28

O capítulo 12 de Levítico nos ajuda a entender a situação da mulher que tinha hemorragia na sociedade hebraica. Tal pessoa não era vista senão como uma disseminadora ambulante de uma praga terrível. Não podia ser tocada e não podia tocar em ninguém ou em coisa alguma, ou seja, ela era uma espécie de rei Midas ao contrário. Podemos nos imaginar em uma situação assim? Nenhum medicamento, nenhum tratamento, nem uma apuração ou mesmo tipo de limpeza a tornaria pura para o convívio com outras pessoas. Restava-lhe apenas a esperança que algo mágico lhe acontecesse, algo tirado do seu imaginário depressivo. E foi o que ela fez: foi atrás do seu sonho mirabolante.

O que torna diferente essa cura descrita por Marcos 5.25-34 é que antes do nome Jesus no texto grego há um pronome: Ela havia escutado falar de “o” Jesus. Para ela, Jesus era tão somente aquele que podia curá-la sem delongas ou de algo mais que necessitasse ser feito. Na sua imaginação ela não precisaria conhecer Jesus, não precisaria contar seu problema para Jesus ou sequer ser vista por ele. O Jesus era o cara. E o mais interessante é que aconteceu exatamente assim. Ao tocar no manto de Jesus ela sentiu a segurança de que estava curada. Sentiu uma sensação de pureza que não sentia há doze anos. Sentiu que algo mágico pôs fim ao seu estado de enfermidade.

Mas com Jesus não aconteceu nada tão mágico assim, posto que ele, apesar de espremido por todos lados pela multidão, perguntou de pronto: Quem me tocou? Jesus sentiu um toque tão diferenciado que tirou dele algo precioso. Sentiu que seu ministério de cura fora de alguma forma lesado. Dessa forma não poderia permitir que o seu poder se associasse a um tipo de superstição. Suas curas eram pessoais e não por meio dos seus objetos pessoais.

Diferentemente de nós que queremos sempre o resultado imediato, o processo que Jesus usava para a libertação do mal, qualquer mal, tinha sempre uma dinâmica. Sua cura não era superficial. Ele curava o corpo e também a alma. Jesus afirmava que era a fé da pessoa que a havia curado, e não algo do seu imaginário. Para se ter fé me Jesus o mínimo necessário é conhecê-lo.

Outra coisa relevante nesse texto é a resposta dos discípulos à pergunta de Jesus. No fundo, eles duvidavam do fato de Jesus poder identificar a necessidade de uma única pessoa no meio de toda aquela multidão. Eles ainda não acreditavam que Deus pudesse ser tão pessoal assim. É verdade, que eles já haviam experimentado essa atenção pessoal. Porém, eles tinham em mente que esse favor lhes era exclusivo. Somente eles que conheciam Jesus tão bem podiam ser reconhecidos por ele de forma tão pessoal. Jamais alguém perdido no meio de uma extensa massa humana poderia receber esse precioso dom.

Existem aqui dois entendimentos a respeito de Deus. Um grupo que pensa que ele age de forma mágica e outro que imagina que Deus privilegia apenas aqueles que são seus. Se existem uns que querem dizer como Deus deve agir, há também outros que querem limitar a ação de Deus ao seu redor.

O resultado dessa parábola viva que nos diz respeito é o constrangimento. Marcos conta que a mulher atirou-se as pés de Jesus tremendo de medo e contou-lhe tudo. O constrangimento dela que recebera uma bênção sem merecê-la e o medo de perder essa bênção. A mulher, apesar de se sentir curada, ainda estava sob a maldição da impureza descrita no Levítico. Ao apresentar-se a Jesus ficou curada dessa mal também. Já o constrangimento dos discípulos foi diferente. Eles passaram a entender que Deus não se importa com números, mas que os seus olhos estão sempre focados em alguém, não para puni-lo ao primeiro deslize, mas para que este seja atendido em todas as suas necessidades. E agora imagine alguém com quem ele possa contar para que esse único indivíduo, mesmo que perdido na multidão, seja reconhecido e receba o dom da libertação do mal e da cura plena.

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