A conversão de São Paulo. Luca Giordano |
Saulo, Saulo, por que
você me persegue? Atos 9,4
Uma das poucas coisas que me causam ansiedade na Bíblia são
as perguntas que ficaram sem respostas. A supracitada é uma delas. Porém, dá
pra imaginar que se o encontro de Jesus com Paulo* acontecesse numa favela do
Rio de Janeiro, a pergunta seria outra: Saulo,
o que é que está pegando? Segundo o meu incipiente entendimento, Jesus
estaria lhe perguntando: O que passa na
sua cabeça, Saulo? O que pensa que está fazendo? Que absurdo é esse? Mas
ainda assim permanece uma dúvida: Se Lucas, escritor do livro de Atos, conheceu
Paulo e esteve com ele um bom tempo em Roma, por que não procurou saber diretamente
dele a resposta?
Olhando mais detalhadamente o livro dos Atos dos Apóstolos,
encontrei indícios de que Lucas teria nos revelado secretamente a resposta que
Paulo deu a Jesus na estrada de Damasco. Segundo relatos posteriores de Lucas,
naquela estrada Paulo deveria estar pensando assim: Eu sou judeu, nascido em Tarso, na região da Cilícia, circuncidado ao
oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; mas
fui criado aqui em Jerusalém como aluno de Gamaliel. Fui educado muito
rigorosamente dentro da lei dos nossos antepassados, quanto à lei,
fariseu. Eu era muito dedicado a Deus, como todos vocês aqui também são.
Como todo judeu,
esperava ansioso pela revelação do Messias, o Leão de Judá, aquele que
restauraria a hegemonia de Israel, que expulsaria os romanos e quem me aparece
é você, Jesus, um cordeiro? Li todos os profetas, toda a sabedoria dos antigos
e aprendi desde de pequeno que o Messias seria um Deus Forte, Pai da eternidade,
oriundo da mais alta estirpe judaica e vem você, Jesus, um nazareno, filho de
carpinteiro? Aprendi que o Messias seria o intérprete da Lei, o Maravilhoso Conselheiro, e
quem me aparece? Um sujeito que anda e bebe com ladrões e prostitutas, que
janta na casa de publicanos, que abraça samaritanos, se deixa tocar por leprosos
e hemorroíssas, cura o servo de um romano, e ainda diz que os judeus devem amar
os seus inimigos?
O Leão de Judá não
perdoa, castiga, mas o cordeiro, é açoitado.O Leão de Judá não leva desaforo
para casa, mas o cordeiro permite que cuspam na cara dele. O Leão de Judá não
ama os inimigos de Israel, mas o cordeiro sim. O Leão de Judá mata, mas o
cordeiro morre. Como é que eu poderia acreditar que você era o verdadeiro Messias
se você é o oposto de tudo que imaginei e fez exatamente o contrário de tudo
que eu esperava que o Messias fizesse?
Fico imaginando Jesus ouvido toda essa ladainha e rindo. A
cada contestação deve ter balançado a cabeça e dito: É isso mesmo, você tem razão, Paulo. Ao fim de tudo Jesus, assim como fizera com antes Tomé, deve ter lhe
mostrado as chagas e dito: Eles fizeram isso tudo comigo, mas no final eu
venci. Venci um inimigo muitas vezes mais poderoso do que todas as legiões
romanas juntas: Eu venci a morte.
Aí Paulo deve ter dito: Então
não me resta mais nada, senão me jogar desse cavalo de cara no chão e me render
aos teus pés.
A conversão de Paulo na estrada de Damasco é uma das mais
incontestáveis provas do ministério de Jesus. Por que razão, um homem que tinha
sobre si todo poder do Sinédrio e toda a admiração e respeito da elite judaica,
de repente, passa para o lado daqueles a quem perseguia, transformando-se
gratuitamente de perseguidor em perseguido.
Essa questão de Paulo me leva imediatamente a outra. O que
foi feito dos judeus que juraram que não comeriam e nem beberiam nada enquanto
não matassem Paulo (Atos 23.12). Seria possível que eles tivessem a mesma
determinação que Paulo, mesmo esse último sabendo que seria chamado para sofrer
pelo evangelho? Eles, a exemplo de Paulo, também morreram pelo seu ideal?
* Saulo teve o seu nome
mudado para Paulo após a sua conversão (Atos 13.9).
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