O que é JUÍZO?

O Juízo Final, Stefan Lochner
A Bíblia tem em comum com as religiões do Oriente Antigo a ideia de uma divindade que julga os homens e os recompensa de acordo com a sua conduta. Na Mesopotâmia Samas era considerado como “o grande juiz dos céus e da terra”, que inspirava aos reis prescrições justas e velava pela sua observância. Também os egípcios estavam convencidos de que a ordem e a lei eram protegidas pelos deuses, e é característica a sua crença num juízo individual ou particular, logo depois da morte.

Nas concepções do tempo do Reino Antigo, quem fazia esse juízo era o deus-sol Ra, e dizia respeito apenas ao faraó; examinavam-se os atos de seu governo; se foram justos, era ele admitido no reino celeste. A partir do Reino Médio a vida gloriosa de após-morte não era mais considerada um privilégio exclusivo do rei; também para os magistrados e até para o povo comum era acessível, contanto que fossem achados dignos no juízo particular. Esse universalismo, porém, modificou a natureza desse juízo, que doravante não pertencia mais a Ra, mas ao deus dos mortos Osíris, tendo por objeto o cumprimento dos deveres de justiça de todo homem.

Quanto aos gregos, os melhores entre o povo acreditavam que Zeus fazia sempre triunfar o direito, mas o seu juízo, para eles, não ultrapassava os limites da vida terrestre. Píndaro, Ésquilo e Platão admitiram e defenderam um juízo particular sobre as almas dos falecidos.

Juízo particular.
No Primeiro Testamento
 Que Javé não é insensível às qualidades morais da conduta do homem, mas julga cada homem de acordo, é uma das ideias principais do Primeiro Testamento; basta ver as narrativas de algum castigo divino pelo pecado de determinadas pessoas. Jr 31.29; Jr 32.19; Ez 18 frisam a responsabilidade de cada um perante Deus. Em Pv 5.21; Pv 15.3; Job 11.11;  Jo 34.21; Sl 11.4; Sl 33.13; Sl 94,7-11, Javé é apresentado como um mestre severo que controla os passos do homem, pesa seu espírito e coração (Pv 16.2;  Pv 21.2; Pv 24.12; cf. I Sm 2.3; Jo 31.6) e lhe retribui segundo as suas obras (Pv 12.14; Pv 24.12; Sl 62.13). Convencidos de que Deus é o tutor do direito, os oprimidos e injustamente perseguidos não hesitavam em rogá-lo que atuasse como seu juiz, punindo os perseguidores (Sl 7.9; Sl 26.1; Sl 35.24; Sl 43.1). O juízo de Deus, que condena os ímpios (cf. I Sm 3.13; Ez 7.3; Ez 8.27; Dn 9.12; Job 21.22) mas justifica os piedosos (cf. Jz 11.27; I Sm 24.13-16; II Sm 18.19; Is 1.17-23; Is 33.22; Sl 7.12), repara as falhas da justiça humana, dando a justos e a pecadores o que merecem (Pv 31.6; Sl 75), pois o seu juízo é imparcial (Dt 10,17; Is 11.3) e justo (Sl 9.9; Sl 67.5; Sl 96.13; Sl 98.9); nada lhe é escondido (Jr 11.20).

Nas concepções antigas a respeito da retribuição e da vida após a morte, este juízo devia realizar-se durante esta vida. De fato, nunca se fala claramente num juízo, proferido logo depois da morte de cada homem. Eclesiástico 38.22, onde os LXX usam a palavra xpína = juízo, refere-se à sorte comum dos homens que faz cada um morrer por sua vez. Em Eclesiástico 17.7 o texto grego fala no castigo que virá sobre os pecadores (cf. Is 66.24; Mc 9.48, a Geena, mas no texto hebraico trata-se da corrupção a que cada homem será entregue. Eclesiástico 11.26 e 18.24 fala, visto o contexto, na retribuição nesta vida, ainda que seja só no dia da morte, que fará esquecer toda a felicidade ou infelicidade anterior.

Em II Macabeus 12.39-45 não está nenhuma palavra sobre o estado em que se encontram no além os que morreram na batalha, estado que seria a consequência de um juízo particular depois da morte; o juízo divino já os feriu durante a sua vida e é por isso que foram mortos. O sacrifício de Judas tinha por finalidade expiar a sua falta a fim de que Deus os deixasse chegar à glória da ressurreição que mereceram com o seu zelo pela boa causa. Também o juízo que conforme Sabedoria 6.5 espera os grandes da terra dá-se, provavelmente, ainda nesta terra; cf. também Is 14.3-21; Ez 31.1-18; Dn 4, onde Deus castiga a soberba dos reis. Só na literatura rabínica do século II dC fala-se de um juízo particular, no qual, entretanto, tanto o corpo como a alma são visados.

No Segundo Testamento 
Mt 16.27 e Rm 2.6 repetem a convicção do Primeiro Testamento de que Deus há de recompensar cada um conforme as suas obras. Nenhum texto, porém, fala explicitamente de um juízo que se dê logo depois da morte. A exortação à vigilância (Mc 13.37), as parábolas do ladrão (Mt 24.43), das virgens prudentes e imprevidentes (Mt 25.1) e dos talentos (Mt 25.14; Lc 19.12) poderiam fazer pensar, pelo seu caráter individual, em um juízo particular depois da morte. O contexto, porém, sugere antes o juízo final, na parusia. Hb 9.27 (morte e juízo), por causa do paralelismo com Hb 9.28 (morte e volta de Cristo), deverá ser entendido do último juízo. Contudo, o juízo particular está implícito na doutrina bíblica sobre a retribuição e a morte, na última fase de sua evolução. Se nos tempos antigos se pensava que a sorte de bons e maus era igual depois da morte, no tempo do Segundo Testamento, e já antes, a morte corporal já não era mais considerada um fim, mas antes uma passagem para um estado que (embora provisório) era diferente para justos e para pecadores, segundo estrita justiça (cf. Lc 16.19-31; Lc 23,43). (continua)

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