Cena de Sangue Negro, 2007 |
A narrativa da glossolalia ou milagre das línguas estranhas
de At 2.1-13 dá apenas a linha geral dos fatos, de sorte que é difícil dizer o
que exatamente aconteceu. Os seguintes pontos, entretanto, são certos:
a glossolalia foi um falar em outras línguas, inspirado pelo
Espírito Santo (At 2.4);
os discípulos anunciaram “as grandes obras de Deus"
(2.11; I Co 14.2-15);
portanto louvaram a Deus, não se dirigiram à multidão;
falaram como profetas (grego apoféggestai) At 2.4; At 26.25 -> Mq 5.11; Zc 10.2, de forma que
alguns ouvintes pensaram que estavam embriagados At 2.13;
Os ouvintes, judeus de diversas regiões e de diversas
línguas, ouviram os discípulos (galileus) falarem a sua língua materna e entenderam
o que diziam (At 2.8-11).
Deram-se à glossolalia interpretações muito diversas.
A maior parte dos exegetas antigos pensava que foi dado aos
apóstolos o conhecimento permanente de línguas estrangeiras, para poderem
pregar o evangelho a todos os povos. Essa opinião não condiz com o texto; não
apenas os apóstolos, mas todos os discípulos falaram em outras línguas; não pregaram,
mas louvaram a Deus; o dom não foi permanente mas passageiro; Paulo e Barnabé
não entendiam a língua dos licaônios (At 14.11-18).
Alguns críticos modernos interpretam a glossolalia como um
milagre do ouvido: os discípulos teriam falado uma só língua, mas os ouvintes
teriam tido a impressão de que falavam línguas estrangeiras. O texto, porém,
sugere apenas um milagre naqueles que falavam, não nos ouvintes; não esses, mas
aqueles receberam o espírito que os fez falar, e as línguas de fogo, símbolo da
atuação do espírito, repartiram-se sobre eles; o texto diz que falaram, não em
uma só língua diferente, mas em diversas línguas (At 2.4).
Outros comentadores pensam que o autor de At 2 adaptou uma
narrativa a respeito do fenômeno da glossolalia ( At 10.46; 11.15; 19.6; I Co
14), fazendo dela uma lenda sobre um milagre de línguas; ou então, ele juntou
duas narrativas, das quais uma tratava de glossolalia, a outra como mais um dos
milagres do Pentecostes. A sua intenção teria sido apresentar o milagre do
pentecostes como símbolo da futura divulgação do evangelho entre todos os povos
(At 1.8), adaptando uma lenda judaica, conforme a qual a voz divina que no
Sinai proclamou a lei, ressoou em 70 línguas, até às extremidades da terra.
Cumpre observar que o caráter simbólico de At 2 pode ser
admitido tranquilamente; não necessariamente se tratando de uma lenda. Lucas
distingue claramente entre a glossolalia (gr. lalein e glossais At
10.46; 19.6) e o milagre de línguas (gr. lalein
étéfa glossais, a lenda judaica é muito provavelmente mais recente do que
At 2; é desconhecida antes do século II dC. Além disso, a narrativa de At 2 não
apresenta nenhum vestígio de uma combinação de duas fontes.
Muitos veem na glossolalia um milagre pelo qual os
discípulos, cuja língua materna era o aramaico, falaram línguas estrangeiras,
de sorte que podiam ser entendidos pelos judeus da diáspora. Pois é esse, por
todo o contexto, o sentido de alein étéfa glossais,, onde glossa significa
língua no sentido de idioma (At 2.6) e étéfai
são línguas que diferem do idioma dos galileus (At 2.7; Mc 16.17) novas
línguas ou estrangeiras (At 2.11). Que alguns considerem os discípulos como
embriagados, não se prova que tenham proferido sons incompreensíveis ou sem
nexo. Como os glossólalos, mas que falaram com grande entusiasmo (At 26.24)
Fonte: Dicionário Enciclopédico da Bíblia. A. Van Den Born.
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