O que é MEMÓRIA? I

Culto em família, autor não identificado
Se perguntássemos a Bíblia o que é a memória do homem, poderíamos dela extrair algumas observações psicológicas, mas o que aqui nos interessa é o sentido religioso da memória, seu papel na relação com Deus.

A Bíblia fala da memória de Deus para com o homem e da lembrança do homem quanto a Deus. Toda mútua lembrança implica acontecimentos passados em que houve relação de um com outro; e tem como efeito, ao relembrar tais acontecimentos, a renovação desta relação. É bem esse o caso entre Deus e seu povo. A recordação bíblica se refere a encontros havidos no passado e nos quais se estabeleceu a Aliança. Relembrando estes fatos primordiais, ela reforça a Aliança; ela leva a viver o “hoje” com a intensidade de presença que decorre da Aliança. A recordação vem, neste caso, tanto mais a propósito por se tratar de acontecimentos excepcionais que decidiam o futuro e que de antemão o continham. Só a fiel recordação do passado pode assegurar a boa orientação do futuro.

O acontecimento básico é a criação, sinal que sempre se oferece ao homem para lembrar-se de Deus (Sl 42.15; 43.33; Rm 1.20s). O próprio homem é mais que um sinal, é a "imagem de Deu. As sucessivas alianças de Deus com o homem (Noé, Abraão, Moisés, Davi) procederam da memória de Deus, que se lembrou e prometeu se lembrar sempre. Este é acontecimento salvador que irá orientar definitivamente  a lembrança do povo de Deus é a Páscoa.

A memória tem muitas maneiras de prolongar, no presente, a eficácia do passado. Em hebraico, os sentidos do verbo zkr, em suas várias formas, dão disso uma ideia: lembrar, recordar, mencionar, mas também conservar e invocar, ações todas essas que desempenham um papel dos mais importantes na vida espiritual e na liturgia.

A invocação do Nome é inseparável da lembrança da Páscoa, pois foi com a comunicação do seu nome que Javé inaugurou a Páscoa, e a salvação atual que esta invocação pede é compreendida como a renovação dos prodígios antigos. O culto inclui também um aspecto de memorial ao despertar a “recordação de sua Aliança”; esta expressão, cara à tradição sacerdotal, mostra bem que Deus se lembra do seu povo e que o povo deve lembrar-se de seu Deus nos ritos cíclicos do culto, nas festas, no sábado, ou nos lugares de encontro: pedra, altar, arca, tenda, templo. Fundamentada nos fatos salvíficos, a oração que necessariamente se impregna da ação de graças, tonalidade normal da recordação diante de Deus.

A conservação das lembranças é garantida pela transmissão da Palavra, oral ou escrita, especialmente nos livros da Lei. A meditação da Lei é então para o fiel a forma correlata da recordação; esta atenção vigilante abre a mente humana para a Sabedoria Divina. A ’obediência aos mandamentos é decididamente a expressão autêntica dessa lembrança que consiste em “guardar os caminhos de Javé".

Mas é justamente no esquecimento que a memória do homem se mostra deficiente, enquanto Deus não esquece nem a sua Palavra, nem o seu Nome. Apesar das advertências do Deuteronômio: Guarda-te de esqueceres a Javé teu Deus..., lembra-te..., o povo esquece o seu Deus e nisso está o seu pecado. Conforme a lógica do amor, Deus parece, então, esquecer a esposa infiel, desgraça que deveria fazê-la voltar. Toda aflição, com efeito, deveria reavivar no homem a lembrança de Deus. A pregação profética vem somar, e nesta mesma linha constitui um longo “lembrete” destinado a recolocar o coração do homem naquele estado de receptividade em que Deus pode realizar a sua. Páscoa: Ez 16.63 - Estabelecerei a minha aliança contigo, e saberás que eu sou o SENHOR, para que te lembres e te envergonhes, e nunca mais fale a tua boca soberbamente, por causa do teu opróbrio, quando eu te houver perdoado tudo quanto fizeste, diz o SENHOR Deus. (continua)

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