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Texto do livro Salmos para o Espírito do Rev. Jonas Rezende
Fasciite necrosante é o nome de um processo infeccioso
provocado por um estreptococo do grupo A. Deu para entender? Vou então usar a
nossa linguagem corrente no dia-a-dia. Trata-se de uma bactéria que começou a
ser detectada, segundo me parece, em 1994, na Inglaterra, e logo foi batizada
popularmente de bactéria devoradora de carne, porque devora três centímetros de
tecido humano por hora, provocando a morte em 24 horas. Sempre que se fala
desse assunto, a notícia provoca pânico. Se o problema não for resolvido
cientificamente, essa doença é mais grave que a AIDS. Mas eu queria usar a
ação terrível da bactéria como uma parábola da nossa época, em que o ser humano
é vítima de uma antropofagia, mais feroz do que a retratada por Mário de
Andrade, depois de 1922. Vivemos a crise da nossa civilização e a misteriosa
doença torna-se símbolo de nossa sociedade que mói o ser humano na maquinaria
implacável do cotidiano.
É claro que o presente salmo não fala de bactérias. Mas
celebra com alegria a salvação do povo: rendei graças ao Senhor, porque ele é
bom, porque a sua misericórdia dura para sempre... O Senhor está comigo, não
temerei. Que me poderá fazer o homem?... Melhor é buscar refúgio no Senhor do
que confiar no homem... O Senhor é a minha força e o meu cântico, pois ele me salvou...
a destra do Senhor faz proezas... Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos
e alegremo-nos nele... O Senhor é Deus, ele é a nossa luz. É belo o salmo.
Agora, se espremermos todas essas expressões do salmista, o resultado é vida. Isto
é, o amor divino faz com que a morte se renda diante da vida. Como não lembrar
a visão de Ezequiel? O monturo de ossos secos volta à vida, conhece a ressurreição,
no vale sombrio. E, a meu ver, a visão profética fala da esperança de um eterno
renascimento no mundo que atravessa crises cíclicas, com dimensões pessoais,
sociais e universais.
Uma pista para trabalharmos em comum está no livro O
ocidente é um acidente - por um diálogo das civilizações, do filósofo francês
Roger Garaudy. Embora julgue o livro muito severo e, em algumas passagens,
injusto com o Ocidente, acredito que Garaudy nos ajuda a buscar saídas através
da contribuição dos povos em geral, na proporção em que o nosso universo
cristão ocidental se torna um tanto provinciano.
Mas o vale de ossos secos, da visão profética de Ezequiel,
bem pode ser também o nosso coração, quando abandonamos os sonhos e a esperança
sempre juvenil. Mas podemos celebrar com a alegria de nosso salmo, porque Deus
nos faz participar do processo de ressurreição diária e da eterna
ressurreição. Para o teólogo Bultmann, o importante não é se a ressurreição
aconteceu, historicamente, na vida de Jesus, mas crer que a morte de Jesus é
vida para o ser humano. Não é importante que tenha acontecido algo especial na
vida de Jesus, mas saber que, historicamente, aconteceu algo na vida dos
apóstolos. E verdade que, na pregação da Igreja tradicional, a ressurreição é
um fato para a fé, um fato que precisa ser celebrado. Mas acho interessantes as
observações de Bultmann.
O mais importante, porém, é que a nossa esperança está
enraizada em Deus. Assim como o poeta do Eterno, também esperamos que a morte
se renda diante da vida. E inspirados por Santo Agostinho, podemos também
dizer: apesar de absurdo, nós cremos.
Você concorda?
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