Não seja excessivamente justo

Jael e Sicera, James Northcote em 1787 
Não te lembres dos meus pecados da mocidade, nem das minhas transgressõesLeia Salmos 25

Texto do rev. Jonas Rezende

Se você ler sobre o doutor Fausto, em Goethe ou Thomas Mann; ou romance O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, ou ainda a novela O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson, que, para muitos estudiosos, antecipou em uma década os estudos de Freud - se você ler esses ou outros trabalhos semelhantes, entrará contato com o lado menos visível da personalidade humana. Mesmo as pessoas mais puras, e até os santos e místicos, têm impulsos destrutivos e agressões, apenas sob controle. Talvez, seja isso que os mais diferentes salmistas, que tornaram possível Saltério à disposição de todos, eles mesmos, de modo franco e transparente, sempre mencionam suas faltas e seus pecados.

No presente poema de Davi, além do pedido, colocado no início da meditação, para que Deus se esquecesse dos pecados que cometera na mocidade, o salmista está como que esmagado pelo sentimento culpa. Veja só o que ele diz: Bom e reto é o Senhor, por isso ta o caminho aos pecadores... Volta-te para mim e tem compaixão, porque estou sozinho e aflito... considera as minhas aflições e a sofrimento, e perdoa todos os meus pecados.

Repare também que Davi diz: a intimidade do Senhor é para os que o temem. Creio que seria mais natural se ele falasse: a intimidade Senhor é para os que o amam, você não acha? Afinal o salmo começa tão belo: Faze-me, Senhor, conhecer os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas... tu és o Deus da minha salvação, em quem eu espero todo o dia. Lembra-te, Senhor, da tua misericórdia e da tua bondade... De repente, a culpa desponta, e o salmista, como podemos também ver em outras páginas, de sua autoria ou não, parece tornar-se vítima do sentimento de pecado, do medo e da punição.

O pastor e psicanalista junguiano John Sanford enfrenta corajosamente o problema da sombra que existe em nossa mente. Diz-nos que não adianta negá-la, porque ela é parte importante de não acha? nós mesmos. A sabedoria está em desenvolver mecanismos de controle e aprender a administrar as pulsões que atuam em nosso comportamento. Para Sanford, é desse lado desconhecido que surge o humor, a fantasia, os atos falhos - realidades que estão longe de ser apenas negativas. E o pastor-psicanalista compara Paulo de Tarso e Jesus. Paulo se atormenta como o salmista diante de seus impulsos sombrios, e clama: miserável homem que sou! Jesus não se constrange de usar o chicote para expulsar os vendilhões do templo, não quer ser chamado bom, e enfrenta com serenidade as tentações do deserto. Jesus chega mesmo a nos ensinar: sejam espertos como as cobras e sem maldade como as pombas.

O salmista era fruto da sua época, mas nós podemos ter uma vida mais equilibrada e mais feliz diante de Deus, diante do outro e diante dos impulsos da nossa mente, que precisam ser controlados sem culpa ou medo. Sem temor e tremor. É só vivermos mais pacificados com a nossa sombra. Lembrar que a Bíblia adverte: não seja excessivamente justo, uma frase tão parecida com o ditado romano: direito em excesso, injustiça excessiva. E não deixar de fazer o último pedido do salmista:
  
Ó Deus, redime Israel de todas as suas tribulações. 


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