O que é VER? I

Moisés e a sarça ardente, Dieric Bouts (1415-1475)
Enquanto os ídolos têm olhos e não veem, Deus vê tudo que está no céu, na terra e embaixo da terra. De forma bem particular, Deus vê também os filhos de Adão, dos quais ele sonda os rins, o coração e perscruta até o mais íntimo desejo.

Mas esse Deus que tudo vê continua sendo para o homem um Deus escondido. Não obstante, de uma forma inexplicável, Deus escolheu para si um povo ao qual se revelou de uma forma muito especial, até se mostrar por inteiro na sua revelação na pessoa de Jesus, o Cristo.

Ver Deus face a face é um desejo antigo do homem do Primeiro Testamento. A saudade do Paraíso que domina a Bíblia é antes de tudo a consciência de haver perdido esse contato íntimo com Deus, que faria com que se sentisse novamente no Éden. Para ele, a esperança de ver o seu rosto superava até mesmo o medo da sua ira. As duas maiores experiências religiosas de Israel: a pregação da Palavra de Deus pelos profetas e a consciência da sua presença no culto, tendem exaltar este desejo de ver Deus.

As teofanias eram o ponto alto da missão profética. Moisés e Elias conheceram esta experiência em sua forma mais elevada, ainda assim Moisés lhe pede: Ex 33.18 – Fazei com que eu veja a vossa glória. Elias, na sua maior e mais dramática aproximação de Deus, se esconde numa caverna, cobre o rosto e ouve apenas uma voz que lhe é trazida pela brisa suave depois de vendaval, terremoto e fogo. Tão importante se torna este detalhe para os compiladores bíblicos mais recentes que os LXX preferiram traduzir assim: Ex 24.10 – Eles viram o lugar onde se encontrava Deus.

O culto era um desses lugares onde o povo tinha a consciência de que Deus esteve presente, por isso é que suscitava os melhores desejos do coração, tais como: ver Deus, contempla a sua santidade, exultar diante da sua glória, descansar na sua providência. A visão de Isaías narrada no capítulo 6, tão próxima das teofanias presenciadas por Moisés, veio para dar uma noção da distância que separa o nosso pecado da perfeição de Deus, declarar a dependência irrestrita do seu perdão, revelar o desafio da missão que esta presença encerra, como também mostrar que não será nada fácil executá-la.

Se o desejo de ver Deus só é parca e sutilmente satisfeito pela fé, conhecê-lo é algo que se faz visceralmente necessário. Para conhecê-lo é preciso ouvir a sua Palavra e ver a grandiosidade das suas obras, pois é nas maravilhas da sua criação que o que ele tem de invisível se torna visível. Paulo decretou esse ensino uma cláusula pétrea: Rm 1.20 - Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas.

Mas o Deus escondido se faz ver mais ainda na história. Nos grandes feitos que realizou no Egito, no Êxodo e em toda a história de Israel, através de sinais que nunca antes foram vistos, e que causou o espanto de todos os povos vizinhos. Conhecer Deus é, portanto, ver seus altos feitos e compreender o quem ele é, entender os seus reais e sublimes propósitos, mais do que se deter nos aparentes motivos que o mundo imagina que o levaram a fazer o que fez, para de uma forma consciente e sincera, crer nele.

Assim como os ídolos estúpidos, os homens são surdos e cegos. Têm olhos, mas não veem. Têm ouvidos, mas não ouvem. Os sinais e os dons de Deus destinados a iluminá-los nessa busca, podem ser obscurecidos pela sua obcecação. A pregação profética que deveria ser consoladora para Israel, se torna pesada ao seu coração, tapa-lhe os olhos para que não vejam e retarda-lhe o entendimento para que não compreendam. Contudo, Deus tem ainda uma forma de se tornar visível e compreendido. Se a palavra profética ainda não havia alcançado o objetivo pleno, a Palavra Viva veio para dizer tudo de novo, de forma a satisfazer definitivamente o desejo de ver, contemplar e se regozijar na sua presença. (continua)

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