É verdade, mas não toda a verdade

Davi tocando harpa, Jan de Bray em 1670

Não confieis em príncipes, nem nos filhos dos homens, em quem não há salvação... Bem-aventurado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio, cuja esperança está no Senhor, seu Deus. Leia Salmos 146 

Texto escrito pelo Rev. Jonas Rezende.

No melhor livro de Exupéry, Terra dos homens, o escritor e aviador francês, que morreu em missão na Segunda Guerra Mundial, conta dois episódios que muito acrescentam à nossa vida. O primeiro se dá com um amigo acidentado, nos primeiros anos de aviação comercial. No frio brutal das montanhas, o convite que se insinuava era abandonar-se, dormir e morrer. Mas o homem exausto com seus pés em chagas e a alma abatida, consegue alcançar um lugar de resgate. E confessa que, nos momentos finais, a sua luta se manteve apenas para corresponder aos que o esperavam.

O segundo se deu com o próprio Exupéry, também acidentado, dessa vez no deserto. Próximo da morte por absoluta falta de água, divisa o vulto de um beduíno que lhe encosta um cantil nos lábios.

Veja bem. Um não morre para não decepcionar os que os esperavam. O outro se salva porque um irmão desconhecido não o decepciona.

O salmista, na página que consideramos, diz a verdade quando exorta que não confiemos em príncipes ou no filho do homem. Ele diz a verdade, mas como Exupéry nos mostra, não é toda a verdade. Sempre houve e haverá solidariedade na face da Terra.

E bela e correta a maneira como o poeta destaca o papel libertador de Deus... que fez o céu e a terra; o mar e tudo que nele há... Que faz justiça aos oprimidos, e dá pão aos que tem fome. O Senhor liberta os encarcerados... abre os olhos aos cegos... levanta os abatidos... ama os justos... guarda o peregrino, ampara o órfão e a viúva, porém transtorna o caminho dos ímpios. O Senhor reina para sempre.

Repito que é belo e correto ver a ação libertadora de Deus. Mas acredito que há um fundo de pessimismo quando não o reconhecemos o lado luminoso do ser humano. Às vezes, situações especificas dificultam o aparecimento da bondade, mas isso não nos autoriza uma generalização da maneira com faz o profeta Jeremias: maldito o homem que confia no homem. Ou o salmista neste seu poema.

No livro de Isaías, tomamos contato com inimigos de Israel, homens sem a fé bíblica. Mas o profeta, honestamente, os descreve da seguinte maneira, um ao outro ajudou e ao seu companheiro disse: sê forte! Uma lição que já recebemos dos comunistas ateus e dos que estão em correntes religiosas que nos parecem estranhas. Porque não somos donos da verdade.

O salmista nos ensina, mas aprendemos na Bíblia como um todo e ainda na vida diária, que o ser humano desenvolve requintes de crueldade e injustiça, mas é ele também que inventa a bondade. Quando nos esquecemos disso, Deus nos sacode e nos ajuda.

Maurice Maeterlink, no seu livro A sabedoria e o destino, nos instrui com a ternura que lhe é peculiar: não amemos de dó, quando podemos amar por amor; não perdoemos por bondade, quando podemos perdoar por justiça; não aprendamos a consolar, quando podemos aprender a respeitar.

O salmista falou a verdade, mas não toda a verdade, que é infinitamente mais rica. Estou apenas destacando mais uma das suas facetas. Mas convido você a repetir com o salmista e comigo o fecho deste belo salmo:

O SENHOR reina para sempre;
o teu Deus, ó Sião, reina de geração em geração. Aleluia!


Nenhum comentário:

ads 728x90 B
Tecnologia do Blogger.