O que é PAIXÃO? II

Evangelistas, Karolingoscher Buchmaler
 A igreja primitiva começou quase que imediatamente a utilizar a narrativa da paixão nos cultos, na catequese e na apologia da fé. Pelo que tudo indica, parece ter havido, em forma escrita, uma narrativa antes que Marcos a colocasse no seu evangelho. O próprio Marcos se serviu de uma tradição particular para desenvolver o seu texto, o que se pode observar também nos outros evangelistas.


Apesar da necessidade da igreja primitiva conservar uma pregação comum, cada um deles deu à narrativa da paixão um caráter pessoal. Mateus acentua a sua relação com o cumprimento das Escrituras, fazendo constantes citações dos salmos e dos profetas. Podemos ver que o seu evangelho é mais fiel ao texto original, traz informações novas sobre Judas e é implacável na denúncia dos chefes judeus.  

A narrativa da paixão de Lucas apresenta um interesse especial, porque além do que copiou de Marcos, fez investigações acuradas e independentes. Seu tom leva a sua comunidade a se comover e a se enternecer, pelo mártir que aceita tudo com humildade e paciência. É justamente esta narrativa que forma a base para meditações posteriores sobre a paixão inspirada pela compaixão.

João faz a sua narrativa mostrando que alguns bons anos depois a igreja continuava fiel aos relatos anteriores da paixão, embora isso não disfarce a sua genialidade como teólogo e narrador. Sua comunidade já havia se liberado do pânico da primeira perseguição e da comoção pela destruição do templo de Jerusalém. À morte de Jesus brutal e decepcionante ele dá um sentido mais essencial: aquela morte não é senão a passagem de um mundo instável e satânico para o Reino que é o centro de toda expectativa e esperança cristãs. Nele, o crente encontra a sua liberdade real e já sabe de antemão que Deus está no comando e estará até o fim dos tempos. Para João, Jesus enfrenta as cenas da sua paixão soberano da situação: ele mesmo carrega a sua cruz, não está prostrado quando os soldados chegam para prendê-lo, não dá sinais de agonia e nem depende da assistência de anjos. A morte de Jesus é por ele relacionada não com desânimo dos caminhantes de Emaús, mas com a sua ascensão gloriosa, a motivação que falta aos outros evangelhos para dar alegria e coragem aos cristãos.

Vários são os elementos que influenciaram as narrativas da paixão nos evangelhos, transformando um simples relatório na pregação da salvação, e é essa ênfase que ressalta na pregação o sentido soteriológico da paixão e morte de Jesus Cristo. As narrativas da paixão contidas nos evangelhos não são, de forma alguma, o trabalho exclusivo de um determinado autor ou comunidade. Elas são o testemunho de fé das igrejas primitivas. Isso não somente garante a sua fidedignidade como assegura a sua importância para os cristãos do passado. Foram tradições e mais tradições antigas que passaram pelo crivo da crítica, se eximiram das supertições e sobrepujaram a opinião e com etário dos intelectuais para se apresentarem como autênticos arautos daqueles que viram e viveram estes fatos. As narrativas da paixão não são depoimentos espontâneos de pessoas bem intencionadas, mas seguem integralmente a fórmula proposta e encarnada por todos os apóstolos na afirmação de João e Pedro: Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus;  pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos. (At 4.19s)

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