Ato profético

Ressurreição de Lázaro, ilumunura,1410

Dentre as facetas do ministério de Jesus nas quais ele foi identificado simultaneamente: profeta, sacerdote e rei, o que chamamos na teologia de triplex mundi, o que mais ele fez questão de ressaltar foi o da sua herança profética. Nota-se claramente nos escritos dos evangelistas que por mais de uma vez ele foi confundido com aquele que é considerado o maior profeta do Judaísmo, o profeta Elias. Pelo simples fato de Jesus nunca ter contestado a confusão que levou o povo a este engano, podemos muito bem concluir que isto lhe causou uma certa satisfação e que algum tipo de reconhecimento foi acrescentado ao seu ministério, visto que, até a morte de João Batista, ele não havia conseguido muita notoriedade.


Pela importância do cargo, que agregava peso e importância às suas palavras, podemos também dizer que o fato de Herodes ter confundido Jesus com João Batista, a quem mandara decapitar, foi determinante para que Jesus iniciasse a sua pregação com mais autoridade e reconhecimento. Se há algum exagero na minha conclusão, isso não exclui o fato de que Jesus fez por brilhar a luz do seu ministério profético acima da sua vocação sacerdotal e muito acima da sua realeza.

Contudo, nem mesmo estes evidentes sinais: tanto os milagres quanto a sua mensagem, fizeram com que o povo acolhesse Jesus como o Messias enviado de Deus, como deveria. O que se fez de pronto foi creditar toda a magnificência do ministério de Jesus, não a Deus, mas às forças ocultas que povoavam as mentes dos que seguiam as religiões de mistério, que, naquela época, influenciavam negativamente a religião de Israel: Chegou isto aos ouvidos do rei Herodes, porque o nome de Jesus já se tornara notório; e alguns diziam: João Batista ressuscitou dentre os mortos, e, por isso, nele operam forças miraculosas. (Mc 6.14)

Jesus reparou bem nesta mudança do foco divino para o profano, viu aquilo que era ação de Deus confundir-se com a superstição mais de uma vez em seu ministério. Até mesmo as mais terríveis e abomináveis forças malignas foram citadas como autoras dos seus milagres: Os escribas, que haviam descido de Jerusalém, diziam: Ele está possesso de Belzebu. É pelo maioral dos demônios que expele os demônios. (Mc 3.22) É importante que se note que todas essas manobras tinham por finalidade precípua desacreditar justamente o ministério profético de Jesus. Nem a sua função sacerdotal e nem o reconhecimento da sua condição de rei seriam abaladas, visto que as religiões pagãs também tinham seus sacerdotes, e elas possuíam o poder de entronizar ou de destituir reis. Mas o cerne do profetismo, que se concentrava exclusivamente no compromisso do profeta com a fidelidade à única e verdadeira Palavra de Deus, nenhuma outra religião tinha.

Muito embora os atos proféticos estejam em voga nos nossos tempos, na Bíblia eles são extremamente raros. Muito embora se propague que tais atos sejam corriqueiros e afeitos a todos os aspectos do cotidiano, os atos que foram indubitavelmente reconhecidos como autênticos dos profetas de Deus aconteceram num período de curtíssima duração. Muito embora os profetas do passado sofressem perseguições, e não foram poucos os que morreram por terem tido a coragem de confrontar a realidade com a Palavra de Deus; muito embora sofressem eles mesmos, juntamente com o povo, as consequências dos seus atos proféticos, hoje em dia os também chamados atos proféticos são reconhecidos como bênçãos pontuais que destacam e glorificam os seus portadores.

Será que não dá pra notar a ponta da faca da superstição que existe por trás destes atos proféticos de hoje? Será que não fica evidente que a banalização da manifestação transcendente de Deus é algo que afronta a sua santidade? Até quando a profecia bíblica estará relacionada entre as mandingas e quebrantos da crendice popular? Até quando o ministério profético de Jesus estará relacionado exclusivamente a milagres e bênçãos? Isso eu não sei, mas uma coisa eu sei. Baseado na sabedoria popular, não a de hoje, mas do tempo em que profetismo era coisa séria, se dizia aos quatro ventos: quando a esmola é muita, até o santo desconfia.