O que é SOFRIMENTO? II

Jesus ensina à beira do mar. James Tisso em 1890
Dilacerados pelo sofrimento, mas movidos pela fé, os profetas prosseguiram no seu ministério. Descobriram que o poder purificador do sofrimento era semelhante ao do fogo, que separa o metal das escórias, que o seu valor educativo é semelhante ao de uma correção paterna e acabaram vendo que o castigo era um efeito da providência divina. Aprenderam a aceitar o sofrimento como uma revelação de um plano que só é compreensível através da fé. Antes de Jó, José atestava o valor do sofrimento, pois só tal plano pode explicar a morte prematura de um justo. Para eles o sofrimento era uma oração de intercessão e de redenção que se traduzia nos gemidos trôpegos de Elias: Basta; toma agora, ó SENHOR, a minha alma, pois não sou melhor do que meus pais. (I Rs 19.4)

Ainda assim, nem mesmo os profetas mais provados pelo sofrimento, como Jeremias, se equiparam a figura do Servo Sofredor de Isaías. Este servo conhece o sofrimento sob as suas formas mais terríveis e mais escandalosas. O sofrimento infligiu-lhe tantos estragos que o desfigurou tanto a ponto de não mais provocar compaixão, e sim horror e desprezo. O sofrimento nele não é um acidente trágico, mas sim a sua existência e seu sinal distintivo: Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso. (Is 53.3) E o cúmulo deste escândalo é que este Servo é inocente, mas se deixa confundir com o pecadores para tomar sobre si as suas falhas, recebendo apenas ele o castigo exemplar de Deus.

Os mártires dos evangelhos vem testemunhar como as suas vidas que Jesus, o Cristo, é este Servo profetizado por Isaías. O Servo Sofredor. É ele quem se mostra sensível a toda dor humana, e não pode presenciar o sofrimento sem ficar tocado pela misericórdia. Ele é a expectativa para o fim do sofrimento: Se o Senhor estivesse presente, meu irmão não teria morrido. (Jo 11.21) Mas Jesus vai também complementar as profecias favoráveis de Isaías: Eis que o meu servo vence. (Is 52,13) Nas curas e milagres realizados pelos doze e depois pelos setenta, Jesus vê a derrota de Satanás, e a profecia se cumprindo, pois o servo carrega as nossas enfermidades.

Contudo, Jesus não suprime o sofrimento do mundo, pelo contrário, o declara bem aventurado. De uma forma bastante clara faz a desconexão entre doença, acidente e pecado, como também nos liberta de toda maldição passada, inclusive a do Éden. Ele não elimina o sofrimento, mas o consola; ele não extingue as lágrimas, mas as seca. Faz tudo isso como sinal de uma alegria que não tardará em se estabelecer como plena. Mas reconhece que é o sofrimento que nos prepara para aceitar o seu Reino.

Jesus estava familiarizado com o sofrimento. Ele sofre pela multidão incrédula, pelas investidas dos que chamou de raça de víboras, pela rejeição daqueles que não o reconheceram e chora diante de Jerusalém. Seu sofrimento torna-se uma aflição mortal, uma agonia que altera as suas funções vitais e que faz com que seus melhores amigos não aceitem o seu estado. Sua paixão concentra todo sofrimento humano possível, desde a traição de um irmão, até o abandono por parte de Deus, mas aceita todas estas coisas por submissão àquele que o enviou, pois estava consciente de que veio ao mundo para isso. Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente. (Mt 20.18)

Mas é justamente no seu sofrimento que revela a sua glória. Em torno do sinal maior deste sofrimento é que os seguidores se reúnem. É através do escândalo da cruz e da loucura de se crer em um Deus que aceita passivamente sobre si o sofrimento e a morte que se estabelece a nossa esperança. Como disse Vinicius no seu poema que igualmente reconheça a tristeza como uma bênção: Pois o samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre a esperança de um dia não ser mais triste não. (continua)
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