Romanos – Justificação pela fé

A Parábola dos Cegos, Pieter Bruegel (1525-1569)
Assim como Jesus ficou conhecido como o teólogo do Reino de Deus, Paulo tem que ser reconhecido como o teólogo da justificação pela fé. Muito embora a conclusão desta doutrina esteja na boca de todos os cristãos,
quando a reafirmam através de versículos bíblicos, que mais são do que a consequência natural do ensinamento deste postulado de fé, poucos realmente se interessaram pelos seus pressupostos. Assim como querer usufruir de resultados sem procurar discernir os meios que a levaram a eles, a igreja vive de promessas sem se interessar pelos seus fundamentos. Parece que a palavra teologia traz consigo a abominação de tudo aquilo que nega a ação espontânea do Espírito Santo. Para muitos a ação deste Espírito não está condicionada a qualquer preceito estabelecido, como se essa figura da Trindade fosse inteiramente distinta e autônoma da demais. Desta forma, não há como não se traçar um paralelo entre a supremacia do Espírito Santo na igreja de hoje com a inquestionável autoridade da lei de Moisés para o grupo judaizante que queria tomar as rédeas da Igreja de Roma.

É exatamente este ponto divergente que Paulo vai atacar com a doutrina da justificação pela fé. Quase que atropelando os mais fundamentais itens da lei, Paulo retrocede até Abraão, para, a partir dele, expor de onde realmente procedem as promessas, as quais aqueles que se julgam “eleitos” se orgulham de possuir por mérito e com exclusividade. Paulo simplesmente citou a verdade mais absoluta que se pode encontrar na conversão do patriarca da fé: E creu ele no SENHOR, e foi-lhe imputado isto por justiça. (Gn 15,6) Através deste conhecido e irrefutável argumento, Paulo reafirma o elemento mais fundamental na relação com Deus é fé. E vai mais longe quando diz que Abraão não andava segundo a lei quando recebeu as promessas de Deus, pelo contrário, era mais um entre os pagãos adoradores de ídolos, sendo que pertencia a uma família que era destacada por ser fabricante destas imagens. Paulo quis dizer que Abraão não foi aceito por Deus pelas boas obras que praticava, nem que foi plenamente justificado pela espiritualidade em que vivia.

Quando a Bíblia afirma que Abraão creu em Deus, não está nem de longe querendo nos fazer acreditar que Abraão possuía um conceito monoteísta de Deus tão elevado quanto o do profeta Isaías, nem que era profundo conhecedor das entrelinhas da lei quanto o maior dos fariseus, ou que recitava de cor todos os credos. A Bíblia fala de uma simples entrega. A palavra crer vem da expressão COR DARE, ou seja, dar o coração, e foi apenas isso que fez de Abraão um homem justo, o fez ser aceito ser aceito por Deus, e se tornar o pai da nossa fé.

É importante observar que Paulo passa a anunciar que o sinal desta entrega, que anteriormente era estabelecido pela circuncisão, é agora o batismo. Paulo não rechaça este preceito, contudo faz com que ele seja restrito apenas aos judeus, apenas como preservação de uma ligação cultural. Paulo não quis dizer que a consanguinidade, a partir de Cristo, não era mais condição da eleição, mas que agora a fé é quem fazia com que os homens se tornassem filhos de Abraão. Ele muito menos afirmou que a circuncisão não era mais a garantia da herança das promessas, e que fora substituída pelo batismo. O que de fato ele disse é que estes elementos nunca foram preponderantes e necessários, se observados através da importância da fé. Deus em Cristo não mudou de planos e nem se ajustou a novas condições para levar a cabo o seu plano de salvação. Todos os recomeços na história de Israel, assim como os adendos ao plano inicial são sinais da misericórdia de Deus, que é ainda maior do que a dureza do coração dos homens.

Mas se não é através de uma nação organizadamente constituída, de um regime teocrático de governo, de uma lei única e imutável, como sobreviverá agora o povo de Deus? Em primeiro lugar viverá dos dons do Espírito, outorgados segundo a necessidade de todos e segundo a fé de cada um dos membros. Em segundo lugar, viverá inserida no mundo, no âmbito das organizações existentes e debaixo das autoridades constituídas. Este povo também não poderá viver segundo a pretensão de que é naturalmente uma autoridade instaurada por Deus para guiar os destinos do mundo, pelo contrário, este povo está debaixo desta autoridade, e esta sim, debaixo da autoridade de Deus. Finalmente, dar o valor devido às tradições, sabendo que os costumes são secundários. Se há cristãos apegados e tais costumes, cumpre aos outros respeitá-los, e a estes entender que o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas a decisão do coração que se entrega, porque crê na promessa cumprida em Jesus Cristo.

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