Profeta Habacuque por Donatello |
O livro de Habacuque traz em seu conteúdo um curioso, porém
atualíssimo diálogo travado entre um homem e seu Deus. Curioso, simplesmente pelo
fato de apresentar as várias nuances do comportamento humano quando do seu
relacionamento pessoal e íntimo com o divino. Atualíssimo, porque mostra uma tomada
de posição diante de Deus que se tornou quase que obrigatória na maioria das
orações que são ouvidas nos templos cristãos. Curioso, porque mostra uma
disposição de Deus em atender à oração que estarreceria os mais delicados preceitos
da moral cristã. Atualíssimo, por que revela à nossa razão o verdadeiro caráter
de Deus, ao passo que vai sinalizando qual deveria ser a perfeita resposta do
homem a essa revelação, que para muitos ainda é inusitada.
Como pode ser notado no nosso texto base, Habacuque começa
sua oração despontando na presença de Deus como quem reivindica algo que não
pode de maneira alguma ser relevado e muito menos postergado, pois se trata de
um direito inalienável e inerente a todo aquele que é fiel. No melhor estilo do
“eu determino” ou do “eu declaro”, em seu próprio nome, uma vez que naquele
tempo ainda não se podia determinar em nome de Jesus, Habacuque determina que
Deus tome uma providência imediata em razão da sua necessidade expressa. E não
é que Deus toma atitude mesmo? Logicamente que não foi aquela era a tão
esperada pelo profeta. Muito menos uma que estivesse dentro das possíveis
aventadas por ele. Muito menos ainda uma que fosse toscamente imaginada por
qualquer mente humana, por mais fértil que pudesse existir.
Deus lhe dá como resposta o desapontamento total, o inverso
da sua investida, o antagônico da sua perspectiva, quando lhe diz: Pois o que vou fazer agora é uma coisa em
que vocês não acreditariam, mesmo que alguém contasse. Estou atiçando os
babilônios, aquele povo cruel e violento, sempre pronto a marchar pelo mundo
inteiro, a fim de conquistar as terras dos outros. É isso mesmo, Deus vai consertar
arrasando tudo. Deus vai mandar ajuda, sim, mas ajuda destruidora e não
edificadora. A partir dessa resposta Habacuque não deveria esperar qualquer
desenlace estivesse minimamente de acordo com a sua pretensa determinação.
Mas como em todo debate que se preze existe a tréplica.
Habacuque diz algo assim: Não estou
entendendo. O Senhor Deus vai mandar um povo que é mais pecador do que nós,
mais injusto do que nós e mais iníquo do que nós para corrigir a nossa iniquidade?
Deus o interpela novamente: Quem disse
que é para você entender. Aliás, sobre esse assunto, mais tarde vai dizer
Santo Agostinho: Se você entender, não é
Deus. E continua dizendo: Escreva em
tábuas a visão que você vai ter, escreva com clareza o que vou lhe mostrar, para
que possa ser lido com facilidade. Texto frequentemente citado pelo saudoso
João Wesley Dornellas como o princípio do outdoor.
Por mais paradoxo que possa parecer, esse é o momento
apropriado para a conversão de um convertido. O instante em que o homem toma
consciência da precariedade da sua existência em contraste com todo um universo
de realidades. O ponto exato em que ele descobre que, mesmo sendo profeta, sua
visão está restrita ao seu tempo na história. É onde passa a entender que mesmo
sendo chamado por Deus não tem direito de reivindicar nada, não tem privilégio
algum e que não está imbuído de qualquer merecimento, pois tudo o que recebe
lhe é dado de graça e deve ser aceito com humilde gratidão.
Assim falará Habacuque depois dessa sua experiência marcante: Vou subir a minha torre de vigia e vou
esperar com atenção o que Deus vai dizer e como vai responder à minha queixa.
Porém, a expressão maior que mostra o resultado da sua nova conversão vai ser declarado
numa das orações mais tocantes e mais inspiradas de toda a Bíblia:
Ainda que as figueiras
não produzam frutas, e as parreiras não deem uvas; ainda que não haja
azeitonas para apanhar nem trigo para colher; ainda que não haja mais ovelhas
nos campos nem gado nos currais, mesmo
assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a Deus, o meu Salvador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário