As dez palavras (autor não identificado) |
Se perguntarmos em qualquer classe de Escola Dominical de
crianças o que é Palavra de Deus todos nos mostrariam um exemplar da Bíblia,
não importando a língua em que foi escrita, que tradição adota e nem em que
tradução se apresenta. Para todo cristão, desde o mais novo até o mais velho, a
Bíblia encerra tudo o que imaginamos ser a Palavra de Deus. Contudo, se formos
averiguá-la a fundo vamos verificar que temos nela uma série de escritos cuja
importância não equivalem entre si, posto que não foram registrados com o mesmo
intuito, com mesma consciência e tampouco com o mesmo peso de autoridade.
Os escritos do apóstolo Paulo evidenciam bem esse
quebra-cabeça. Uma hora neles encontramos: Digo
eu, Paulo, não o Senhor (I Co 7.12), mas em I Co 7.10 a expressão é
invertida e a palavra troca de locutor: Ordeno,
não eu, mas o Senhor. Como vamos lidar com essa contradição, uma vez que é
do próprio apóstolo a afirmação de que toda Escritura é inspirada por Deus? Sem
qualquer pretensão de desvendar tamanho enigma passamos a identificar algumas
situações onde encontramos as diferentes formas de lermos a Palavra de Deus.
Encontramos na Bíblia a Palavra de Deus ditada pelo próprio
Deus e escrita na íntegra. Um texto em que o homem foi tão somente seu copy desk. O Senhor Deus disse ainda a Moisés: — Escreva essas palavras
porque é com base nelas que estou fazendo uma aliança com você e com o povo de
Israel (Ex 34.27). Encontramos a Palavra de Deus ordenadas por ele, mas
escrita segundo a interpretação de Moisés. Então
o Senhor Deus disse a Moisés: — Escreva um relatório dessa vitória a
fim de que ela seja lembrada (Ex 17.14). Encontramos a palavra escrita
pelas próprias mãos. O Senhor Deus disse
a Moisés: — Suba o monte onde eu estou e fique aqui, pois eu vou lhe dar as
placas de pedra que têm as leis e os mandamentos que escrevi, a fim
de que você os ensine ao povo (Ex 24.12).
Mas essas são questões menores, diante do paradoxo de quando
Palavra de Deus foi dita para não ser entendida. O Senhor Deus me disse: — Vá e diga ao povo o seguinte:
“Vocês podem escutar o quanto quiserem, mas não vão entender nada” (Is 6.9).
Ou de quando foi dita sem autorização: Hananias
era da cidade de Gibeão. Ele me disse, na presença dos sacerdotes e do
povo, que o Senhor Todo-Poderoso, o Deus de Israel, tinha dito o
seguinte: — Eu acabei com o poder do rei da Babilônia (Jr 28.1-2). Ou ainda
palavras que estão na Bíblia, mas que terminantemente não são de Deus: Feliz aquele que fizer com você o mesmo que
você fez conosco — aquele que pegar as suas crianças e esmagá-las contra as
pedras! (Sl 137.8-9)
Como podemos ver realmente existem pesos diferentes sobre
aquilo que chamamos Palavra de Deus Escrituras Sagradas ou simplesmente de
Bíblia. Porém, não resta dúvida alguma sobre quem foi a maior autoridade a
proferir esta palavra. Jesus por vezes apela para os escritos antigos
ratificando-os pela sua autoridade messiânica como Palavra de Deus. Mas o
problema se instala quando acrescenta palavras que não estão nem nos textos
antigos asseverando que são Palavras de Deus: Pois Deus disse: “Respeite o seu pai e a sua mãe!” E disse também: “Que
seja morto aquele que amaldiçoar o seu pai ou a sua mãe!” (Mt 15.4) ou
quando coloca diretamente na boca de Deus palavras que anteriormente não foram
consideradas como sendo suas e sim conclusão do escritor: E Deus disse: “Por isso o homem deixa o seu pai e a sua mãe para se
unir com a sua mulher, e os dois se tornam uma só pessoa.”(Mt 19.4
contrapondo-se a Gn 2.24)
Voltando ao que Paulo disse a Timóteo: Toda Escritura divinamente inspirada (II Tm 3.16), podemos nos
assegurar de que esse apóstolo não estava se referindo às suas próprias
palavras. Ele jamais teria a petulância de colocá-los no mesmo patamar das
palavras da Bíblia Hebraica. Mesmo porque faz uso de palavras de baixo calão
quando se dirige aos filipenses: Eu
joguei tudo fora como se fosse lixo, a fim de poder ganhar a Cristo (Fp
3.8). Entendam que a licença poética usada pelo tradutor não reflete a verdadeira
intenção de Paulo ao se referir a tudo que se opõe ao evangelho. Mais tarde é
que Pedro, ou um de seus discípulos, vai estabelecer finalmente o paralelo
entre as cartas de Paulo e o Antigo Testamento: Nas cartas dele (Paulo) há
algumas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e os fracos na fé
explicam de maneira errada, como fazem também com outras partes das Escrituras
Sagradas (II Pe 3.16).
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