Bruxos e bruxas com a palavra

Os abomináveis adoradores do mal
É curioso ver a prontidão com que os “ex” adquirem notoriedade nas nossas igrejas. No domingo seguinte à conversão de um ex-viciado, um ex-ladrão, ex-traficante, um ex-sambista ou um ex-bruxo os vemos de pé no púlpito ditando regras de conduta para uma congregação de pessoas antigas na fé. Será que já nos perguntamos qual é o peso da influência que esses depoimentos, que me recuso a chamar de testemunhos, exercem na formação do caráter cristão de um adolescente? Porque, do jeito que a coisa anda – com os marmanjos tomando de assalto os instrumentos musicais que antes serviam como o ingresso deles no culto –, eles estão aprendendo que para se ser minimamente valorizado na igreja, faz-se necessário delinquir de alguma forma, para depois então vir e contar com orgulho e indisfarçável sorriso as atrocidades que cometera no passado.

É curioso também a escolha das ocasiões propícias para que esses depoimentos se tornem ainda mais relevantes. Se é época de carnaval, nada mais inspirador do que o depoimento de uma ex-passista da ala das baianas da Mangueira. Tem que ser da Mangueira. Quando a população fica sabendo da distribuição de uma grande quantidade de drogas ou da ação ousada de uma facção criminosa, aí é a hora do ex-traficante entrar em cena e contar a sua história. Nada mais sensato no Halloween do que ouvirmos os “causos” edificantes dos ex-bruxos e ex-bruxas, para nos tornamos melhores cristãos e para sermos politicamente corretos. Foi exatamente o que se viu nas redes sociais durante a semana próxima passada.

Fico aqui me perguntando: o que um ex-bruxo pode me transmitir, senão bruxaria? O que um ex-traficante pode me dizer, senão como fugir da polícia? Tenho pena das baianas, porque terão uma dificuldade imensa para me ensinar a sambar, ainda mais com aquele negócio na cabeça.

Imagino o auê que seria se o apóstolo Paulo entrasse numa das nossas igrejas e visse isso. Ele diria: Pô! Depois da minha conversão na estrada de Damasco eu passei dez anos na prateleira esperando a oportunidade de ser meio-oficial de ajudante do Barnabé, e esses caras que chegaram aqui ontem, que não sabem nem achar livro de Habacuque na Bíblia, já estão pregando? E olha que eu tenho pós-doutorado em Teologia do Antigo Testamento. Imagino também Pedro, em Samaria, se sentando para ouvir e aprender a sabedoria exotérica de Simão, o mágico.

Essa maneira de viver a fé cristã minimiza a importância e negam a eficácia de pelo menos três poderes a nós conferidos pelo evangelho. O primeiro é o poder que temos sobre o constrangimento ou cerceamento do mal. A presença de um discípulo de Jesus o mal tem que fazer o mal recuar ou ficar no mínimo constrangido. Na presença de um discípulo de Jesus o mal não pode ficar bem. Enquanto as duas testemunhas do capítulo 11 do Apocalipse estavam presentes elas constrangeram tanto o mal que este teve que matá-las para poder prosperar.

A segunda diz respeito ao que Jesus falou para os seus discípulos em Mateus 16.19: Eu darei a você as chaves do Reino dos céus; o que você ligar na terra terá sido ligado nos céus, e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus. Às duas testemunha citadas foi dado o poder de fechar e abrir o céu. Se um discípulo recebe do evangelho um poder inconcebível como esse, quanto maior não seria o seu poder de ligar uma festa popular aos desígnios de Deus.

O terceiro vai nos alertar sobre o poder purificador do evangelho. No Levítico encontramos uma série de determinações de como as coisas ou pessoas impuras contaminam as coisas e pessoas puras, mas vem Jesus e, para a perplexidade de todos, subverte todo esse complexo de leis. Quando Jesus é tocado pela mulher com fluxo de sangue, não é Jesus que fica impuro e sim a mulher que fica pura. O mesmo se deu com leprosos, pecadores e cadáveres. Por que motivo um cristão não poderia, pela sua participação, purificar o ambiente à sua volta?

Disse, certa vez o bispo Paulo Aires: Estamos formando uma geração de crentes nanicos na fé. Uma geração de supersticiosos, que tem medo de diabo, de mal olhado e chinelo virado e que ainda se valem das simpatias da velha tia. Evangélicos que ficam elucubrando se Carnaval é de fulano, se São João é de ciclano ou se Halloween é de beltrano, mas não sabem que o Reino desse mundo já passou a ser do nosso Senhor e de seu Cristo e que ele reinará para sempre. Foi para a liberdade que Cristo nos libertou, não para ficarmos com medo do mal que pode nos fazer uma festa popular.

Gente, esse pessoal não sabe nada. Não entende ainda o alcance da graça de Deus. Não conhece a liberdade que temos em Cristo. Nunca leu que é Senhor quem perdoa todos os meus pecados, que cura todas as minhas doenças; me salva da morte e me abençoa com amor e bondade. Mal digeriu a experiência pela qual passou para chegar até aqui. Eles todos têm, tão somente, que sentar e ouvir. Não podem subir no palco ainda. Não são protagonistas sequer das suas vidas. Não servem de exemplo, senão para mostra o que não se deve fazer, coisa que os adolescentes nem sabem ainda que é feito.

Martinho Lutero foi um oponente rigoroso às doutrinas da carta de Tiago. Ele dizia que esta era uma epístola de palha, pois ela fala insistentemente sobre as rígidas condutas que nos seriam impostas pela fé cristã. Mas ele vai mais longe do que simplesmente relevá-las. Ensina justamente o contrário do que elas determinam, quando diz: Estas almas piedosas que fazem o bem para chegar ao céu não somente não o alcançarão, como serão arranjados entre os ímpios; e importa mais em impedi-los de fazerem boas obras que pecados.

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