Sermão pagão

Paulo pregando no Templo de Diana e Éfeso, Adolf Pirsch
Peço licença aos pastores, líderes religiosos e teólogos que ainda insistem em ler o que escrevo para repetir na íntegra o sermão de um pagão. Por favor não pensem que fui desencavar esse texto em algum manual de feitiçaria ou em compêndios de filosofia oriental ou ainda na extensa literatura exotérica. O sermão pode ser encontrado nas páginas da Bíblia, mais precisamente no Segundo Testamento, no livro dos Atos dos Apóstolos. Diz-nos o texto: Foi nessa ocasião que houve na cidade de Éfeso uma grande desordem por causa do Caminho do Senhor. Um ourives chamado Demétrio fazia pequenos modelos de prata do templo da deusa Diana, e o seu negócio dava muito lucro aos que trabalhavam com ele. Então ele chamou estes e outros da mesma profissão e disse:
— Meus amigos, vocês sabem que a nossa riqueza vem deste nosso ofício. Vocês mesmos podem ver e ouvir o que esse tal de Paulo está fazendo. Ele afirma que os deuses feitos por mãos humanas não são deuses de verdade. E está conseguindo convencer muita gente, tanto daqui como de quase toda a província da Ásia. Assim nós estamos correndo o perigo de ver o povo rejeitar o nosso negócio. E não é só isso. Existe o perigo de o templo da grande deusa Diana não ficar valendo mais nada e também de ser destruída a grandeza dessa deusa adorada por todos na Ásia e no mundo inteiro. (Atos 19.23-27)

Poderia eu muito bem, caso estivesse em um púlpito de uma igreja, pedir para cantar um hino de despedida e impetrar a bênção apostólica e estaria encerrado o culto com a congregação levando para casa esta maravilhosa palavra. Contudo, penso que este que, para mim, é o mais contundente e revelador sermão já pregado até hoje merece algumas considerações.

A primeira delas a exatidão da profecia de Demétrio. Diferentemente de muita profecia que anda por aí, tudo o que ele predisse aconteceu da forma que profetizou e na ordem exata das suas palavras. Quando o evangelho chegou a Éfeso, o simples anúncio de que o deus que é feito por mãos humanas não é deus, começou a fervilhar na consciência do povo oprimido pela manipulação religiosa que há séculos lhes era imposta. Então, as amarras da superstição não resistiram. Os ourives perderam seus empregos, o templo de Diana foi destruído e a adoração a uma das maiores divindades greco-romanas foi praticamente extinta. Deus é espírito e verdade e importa ser adorado em espírito e em verdade.

A segunda revelação que nos é dada pelo pagão Demétrio é que o evangelho precisa apenas ser pregado pois é auto-suficiente. Ele simplesmente disse: Se esse tal de Paulo abrir a boca nós estamos ferrados. Pode ser que seja daí que Spurgeon, considerado o príncipe dos pregadores, tenha tirado a sua famosa frase: O evangelho é um leão enjaulado. Isso mesmo. O evangelho não tem que ser defendido, protegido ou declarado sagrado. Tal como um leão, precisa apenas que porta da jaula lhe seja aberta.

A terceira e última diz respeito ao imediatismo dos efeitos da pregação evangélica. Demétrio diz que a ação do evangelho é imediata, que não necessita de regras, dogmas, posturas ou utensílios, e assim determina o fim do “tem que”. Segundo ele, o povo tão logo ouvisse e cresse nas palavras de Paulo, ficaria livre para se apresentar diante de Deus da maneira que bem lhe conviesse, do modo que quisesse, quando quisesse e da forma que quisesse. Não “tem que” dar o dízimo. Não “tem que” ir à igreja. Não “tem que” ser cristão. Não “tem que” ser num templo. Não “tem que” ser perfeito. Não “tem que” estar sem pecado. Não “tem que” absolutamente nada. A cruz anunciada pelo evangelho é suficiente para cumprir todos os “tem quês” que a religião tenta nos impingir.

Eita sermãozinho bom da gota serena. Acaba de vez com muita besteirada que anda se falando nos cultos. Demétrio. Ei Demétrio, fio do Cabrunco! Vai pregar bem assim no quinto dos infernos.

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