Ceia de Emaús por Rembrant |
Jesus estava lidando com
dois discípulos que atravessavam uma experiência negativa para a qual não
tinham explicação tampouco fé para assimilá-la. Jesus precisava consolar a dor
da sua aparente perda apresentando-se como ressuscitado, para enfim despertar
neles o compromisso com a missão do evangelho. Jesus teria que ser extremamente
preciso nessa abordagem, posto que de nada adiantaria anunciar-lhes a
ressurreição, transformando este momento num novo êxtase que os levaria
fatalmente ao fanatismo. Para nada serviria tirá-los da decepção mórbida para
jogá-los no entusiasmo inconsequente.
Deixando de lado por um
momento o chamado para o desafio do ministério, através da simples explanação das
Escrituras, começou a falar-lhes do que consistiu de fato o seu próprio
ministério. Começou a desconstruir todo o ideal messiânico que os dois, como
todo bom judeu, haviam pressuposto que Jesus encarnaria. Falou-lhes
principalmente do encargo e das consequências que acarretavam a implantação do
Reino de Deus na Terra, do quanto era penoso o caminho para a glória eterna.
Sem chamar para si a centralidade desta comissão, dividiu com Moisés e com
todos os profetas os louros da vitória definitiva sobre o mal. Jesus se colocou
como parte do plano de Deus para reconciliar o mundo consigo e não como uma
tentativa desesperada de consertar o que os discípulos pensavam que havia se
quebrado.
Ao se utilizar do ensino
através das Escrituras queria dar a eles uma nova esperança, esta não mais calcada
em promessas de libertação política e da hegemonia de Israel sobre seus
opressores, nem ainda em milagres de restauração superficial ou curas provisórias,
mas na tarefa árdua de semear a possibilidade de uma nova realidade para todos
os povos. Jesus entendeu que do seu ministério, assim como fizeram com o
ministério profético antes dele, os seus discípulos tinham assimilado apenas o
aspecto vitorioso da vontade de Deus para as suas vidas. Nunca antes Israel
havia parado para ponderar sobre a superação das dificuldades que se
apresentavam ao longo deste caminho, nem o quanto lhe cabia de responsabilidade
para o sucesso desta empreitada.
Criar falsas expectativas em torno do evangelho, colocar na
boca de Jesus promessas que ele não fez e antecipar através de visões do Reino
pronto e acabado, desde o começo da igreja, sempre foram as nossas melhores
habilidades. Estamos vivendo como se a realidade do Reino de Deus já fosse
plena em nossos dias. Ignorando por completo que Jesus afirmou que seu Pai
trabalha até agora, em nossos êxtases alucinatórios retiramos Deus do seu
trabalho para entronizá-lo em nossos hinos e louvores. Não propriamente para
que ele reine soberano sobre as nossas vidas, mas com a intenção velada de que
possamos com ele também reinar. Queremos ter sobre as nossas cabeças o louro do
triunfo que Jesus alcançou apenas após a sua ressurreição. Mas quando caímos na
realidade de um mundo nada acabado e que insiste categoricamente em negar os
nossos êxtases, nos vemos de volta ao vazio e tomados pelo sentimento de decepção:
Eu pensava que era ele quem ia curar meu
pai, quem iria devolver meu emprego, quem me faria ganhar a causa na justiça,
mas não foi assim que aconteceu.
A partir do ensinamento
de Jesus os discípulos de Emaús se veem à volta com uma experiência completamente
diferente daquela que viviam quando Jesus os encontrou. Não mais as falsas
promessas, não mais o sonho de Israel soberano, mas agora era a Palavra de Deus
que ardia em seus corações. E isso, nada mais é do que o ardor do evangelho na
sua essência mais verdadeira. Quando isso aconteceu, a vida deles mudou
radicalmente. Eles voltaram pelo caminho que haviam vindo e passaram a anunciar
a ressurreição não com palavras, mas entregando a própria vida, se preciso
fosse. Voltaram ao centro do confronto, a sede do poder contrário ao Reino de
Deus, e com todas as suas forças passaram a proclamar: Cristo está vivo, ele vive em nós. Esta é a verdadeira conversão, a
troca de uma decepção por uma esperança tão grande que sem ela a vida perde o
sentido de ser vivida.
Leitura: Lucas 24.13-35
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