Baruc, escriba de Jeremias de Doré |
Uma parte excelente da herança que a mensagem profética, o judaísmo tardio e a igreja primitiva legaram ao Cristianismo está se escoando pelo ralo sem que se dê conta disso. Elemento fundamental e constante nas liturgias pré e pós exílicas, como também nos primeiros cultos cristãos, a confissão de pecados precedia qualquer manifestação de louvor, qualquer súplica, qualquer forma de pregação da Palavra e a qualquer desafio de conversão, o que faz com a negligência praticada hoje seja tão injustificável quanto absurda. Como imaginar que o Deus justo e verdadeiro decida inclinar seus ouvidos para alguém que o invoca com “as mãos sujas de sangue”? Foi com esta mesma pergunta que os profetas denunciaram as formas de culto que omitiam a confissão no passado. Sem confissão não há perdão de pecados, e sem perdão de pecados qualquer, forma de culto a Deus se torna nula de propósito.
Não seria no mínimo curioso que é de um dos livros que cobrem o período intertestamentário, omitido no cânon usado por algumas igrejas reformadas, que surge a mais perfeita e exemplar forma de confissão de toda a literatura bíblica. A confissão de Baruc, considerada apócrifa e mais tarde elevada à categoria de deuterocanônica, é inegavelmente a mais inspirada oração de contrição que já foi dirigida aos céus. Sem querer promover uma nova edição da Bíblia ou mesmo destacar a importância desta literatura para a educação cristã, devo dizer que o propósito desta meditação é enfatizar os pontos nos quais o escriba de Jeremias se firmou para se tornar mais um a denunciar as estranhas formas de culto ao Deus da Bíblia.
É norma exigida pela própria Bíblia que toda tentativa de
aproximação de Deus deve começar com o reconhecimento do abismo que existe
entre ele e o pecador. Reconhecer que Deus é Deus e santificar o seu nome, está
acima de qualquer outro propósito na oração. Assim a confissão de Baruc começa,
destacando o poder de Deus e a sua fama, palavra que hoje substituiríamos por
glória, por estar menos desgastada. Mas é imprescindível que se entenda que
este ato não tem por finalidade conferir glórias a Deus ou entronizá-lo, como
se canta em algumas músicas atuais. Trata-se de conhecermos a nossa pequenez e
de colocarmos no nosso devido lugar: o lugar de coisa nenhuma, o lugar de
pecadores vis, o lugar de quem é inexoravelmente infame, sem fama. Somente
quando estabelecemos esta distância é que nossa aproximação tem alguma chance
de começar. Este ato, na sua simplicidade, elimina de vez qualquer tentativa de
reivindicarmos a sua graça por mérito ou justiça. A justiça que se extinguiu
com o descumprimento de todos os mandamentos, desde o menor até o mais relevante,
um descumprimento que se deu tanto por mim como indivíduo, como pelo povo do
qual sou integrante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário