O blefe de Ananias e Safira IV

A morte de Ananias, Nicolas Poussin
Então Pedro disse a Ananias: — Por que você deixou Satanás dominar o seu coração? Por que mentiu para o Espírito Santo? Por que você ficou com uma parte do dinheiro que recebeu pela venda daquele terreno? Atos 5.3.

Todos temos personalidade muito forte. Queremos tudo em ordem. Mas uma ordem que seja segundo o nosso preconceito, conforme as nossas concepções. Isso é tão mais verdade nas igrejas cujos membros chegam com a sua formação cristã já pronta. Os gaúchos chegam do seu jeito. Os cariocas de outro jeito diferente. Os mineiros diferentemente dos nordestinos. Os paulistas, então, nem é preciso comentar. Somos uma igreja composta de gente de personalidade fortíssima, disposta a fazer a igreja andar conforme as suas concepções.

Entretanto, esse não é exatamente o problema. O problema começa quando a nossa vontade e as nossas ideias são contrariadas, e elas são contrariadas sempre, e nós passamos a achar que vai ser difícil continuar cooperando. Inventamos desculpas para tirar o corpo fora. Desconfiamos uns dos outros. Quando tudo não funciona como queremos, freamos o nosso entusiasmo. Mas esperem, a essência da vida da igreja é para ser achada justamente nessa diversidade? A unidade da dessemelhança não é o cerne da vocação cristã? Essa diversidade não é o próprio caráter da igreja? A igreja de Jesus Cristo é inclusiva, ou não igreja de Jesus Cristo. Ou ela inclui todo mundo e está a favor do Reino, ou ela está contra. Karl Barth certa vez disse: A igreja de Jesus Cristo é a única sociedade no mundo em que para ser membro, o candidato precisa ter somente um atributo: não merecer ser membro.

Certa vez um ex-membro me disse que se afastou da igreja porque lá estava cheio de hipócritas. E não é que sem querer ele acertou em cheio? É isso mesmo. Mas será que ele não sabe que a graça de Deus salva apenas aqueles que reconhecem que são hipócritas? Nunca devemos confundir a diferença de opinião criativa com o que o casal do nosso texto fez. A igreja verdadeiramente grande está sempre aberta para a correção dos seus membros. É assim que o crescimento acontece. Se eu estou errado, então você tem que me dizer que estou errado. Mas, por favor, faça pessoalmente. Eu sou muito criança, para mim fica difícil levar bronca na frente dos outros. Eu estou tentando crescer na graça de Deus, e se tem algo que eu esteja fazendo errado, em vez de falar para os outros, fale para mim. Nós só vamos crescer desse jeito, porque a singularidade de cada um é preciosa. As condições particulares de cada um de nós só encontrará consenso na igreja dele. O envolvimento, o apoio, a afirmação, a lealdade e o amor são as marcas dessa igreja. Nada pode nos separar.

Em último lugar, Ananias e Safira morreram de um ataque de culpa. Morreram porque não aguentaram a exposição da sua culpa. Mas era preciso isso? Eu acho que não. Deixe-me explicar. O casal precisava tão somente admitir o seu fracasso, e tudo teria sido curado, não acham? Vocês não acham que a misericórdia de Jesus Cristo seria suficiente para curar aquele casal que Simão Pedro confrontou? Vocês não acham que Ananias deveria dizer a Pedro: eu errei, eu tentei enganar vocês? Vocês acham que Pedro iria expulsá-lo da igreja? Certamente que não, e a misericórdia de Deus iria triunfar sobre a desavença.

O mesmo acontece conosco. Nós não temos que temer ninguém na igreja. Terminantemente, não existe esse negócio de super apóstolo, profeta enviado ou de ungido do Senhor na igreja. Somos todos dependentes da misericórdia de Deus, que nos atinge preferencialmente na pessoa do outro. A honestidade é o único antídoto contra a hipocrisia. Mas o casal preferiu fazer do seu jeito. Ele fez o seu próprio julgamento. Um julgamento jamais pretendido por Jesus. A história é a parábola da nossa própria morte espiritual.

Igrejas morrem, sabem disso? Igrejas morrem como nós, e morrem quando dizem não ao Espírito Santo e dizem sim às influências críticas de Satanás. A mensagem desse texto não é de algo que aconteceu há quase dois mil anos, é de algo pode acontecer hoje, na nossa igreja. Sentir-se culpado e ser culpado são coisas totalmente diferentes. Mas isso não importa, porque a igreja existe para curar as duas situações. Nós estamos na igreja para sermos livrados da culpa: a culpa de nos sentirmos culpados, e a culpa de ser culpado. Quando nos sentimos culpados, encontramos na igreja a voz que nos diz: venham a mim todos vocês que estão cansados de se sentir culpados que eu os aliviarei. Quando eu sou culpado é na igreja que encontro a certeza de que foi exatamente pela minha culpa que Cristo morreu.

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