Nos rastros do dízimo I

O encontro de Abraão e Melquisedeque, Rubens 
Levanto a mão ao Senhor, o Deus Altíssimo, 
o que possui os céus e a terra, 
e juro que nada tomarei de tudo o que te pertence,
nem um fio, nem uma correia de sandália.
- Gênesis 14.22-23 -

Texto do rev. Paulo Schütz.

A prática de separar a décima parte do produto da terra para Deus foi introduzida em Israel pela lei de Moisés, outorgada no deserto, quando suas doze tribos caminhavam em direção à terra prometida, após sua libertação do Egito. Entretanto, a essa altura, ela já era muito difundida entre os povos da antiguidade, e era executada de diversas maneiras, de acordo com as diferentes épocas e locais, sempre vinculadas à situação social específica vivenciada em cada momento. A própria lei de Moisés, encontrada nos livros de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, pressupõe diferentes contextos.

A bíblia até descreve Melquisedeque, sacerdote do Deus Altíssimo, rei de Salém, recebendo o dízimo muito tempo antes, do próprio Abrão, que passaria a chamar-se Abraão, o avô de Israel, cujos filhos dariam origem às doze tribos que constituíram o povo que herdou seu nome. Neste episódio, o que estava em questão era o destino que aquele que viria a ser o pai da fé daria a todos os recursos, materiais e humanos, sobre os quais ele detinha o controle naquele momento, não apenas ao seu dízimo.

O que acontecia quando apareceu o tal rei de Salém, de justiça, ou de paz, conforme as interpretações aceitas na época da epístola aos Hebreus? Sodoma havia sido saqueada pelo rei Quedoriaomer, que se apossara igualmente dos bens de Ló, sobrinho de Abrão, que lá vivia. Este apressou-se em socorrer o filho de seu irmão, recuperando seus bens e o mais que estava em poder do saqueador, inclusive os cativos. Foi então que apareceu o sacerdote, que trouxe pão e vinho e bendisse Abrão pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra; e este de tudo lhe deu o dízimo.

Quando o rei de Sodoma solicitou que Abrão lhe devolvesse os sodomitas que resgatara, concedendo que ele ficasse com os bens recuperados, recebeu a seguinte resposta: Levanto a mão ao Senhor, o Deus Altíssimo, o que possui os céus e a terra, e juro que nada tomarei de tudo o que te pertence. Apenas reteve o que os rapazes comeram e o quinhão dos homens que o ajudaram no resgate. Não quis ficar rico daquela maneira. Portanto, a Ló, o que era de Ló; a Deus, o que era de Deus; ao rei de Sodoma, o que lhe pertencia; e aos servidores, o justo pagamento.

O autor da epístola aos Hebreus também percebeu nesta passagem uma revelação muito mais importante do que a simples observação da lei do dízimo por um homem piedoso. Ora, este homem era o próprio ancestral que daria legitimidade ao sacerdócio que seria conferido a seus descendentes, os levitas, com a conseqüente autoridade para receber qualquer bem consagrado a Deus. Então, quem era esse, sem pai, sem mãe, sem genealogia; que não teve princípio de dias, nem fim de existência, a quem ele pagou o dízimo antes mesmo que o sacerdócio fosse instituído? Hebreus descobriu em tal personagem a ordem sacerdotal do próprio Cristo: constituído não conforme a lei de mandamento carnal, mas segundo o poder de vida indissolúvel. ... santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus, que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo.


Referências bíblicas:
Gênesis 14.5-24; Hebreus 7.





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