![]() |
Capa de André Leoni |
Texto
cedido pelo Bispo Josué Adam Lazier, escrito por ocasião do Dia de Pentecostes,
em 2007.
O
escritor Rubem Alves, entre tantas histórias que criou para motivar nossa
reflexão, inseriu uma bem inusitada: O País dos Dedos Gordos* . A história é
mais ou menos assim: Trata-se de um Reino onde tudo era alegria. Todos no reino
viviam felizes. Ao nascer a princesa, o rei e a rainha tomaram todas as
providências para que nada afetasse a vida da criança.
Assim,
convidaram para madrinhas e padrinhos todas as fadas e os magos. Eles, como
presente de batizado, protegeram a menina por inteiro. A bruxa malvada, sabendo
do ocorrido, enviou seus mensageiros, os corvos, para descobrirem alguma brecha
no corpo da menina. Tanto procuraram que descobriram que um dos dedos da mão
esquerda ficou sem proteção. A bruxa não teve dúvidas: mandou uma praga para o
dedo da criança, de tal forma que o dedo engordava enquanto a menina crescia.
A
princesa, com esta diferença, não tinha amigos e nem namorados. O rei e a
rainha preocupados com isto consultaram todos os conselheiros para saber o que
fazer. Um deles disse ao rei: se o dedo da princesa não pode ser igual ao dos
outros, faça o dedo dos outros serem iguais ao dedo da princesa. O rei decretou
que nos bailes anuais no castelo sé entrariam aqueles que tivessem o dedo mais
grosso. Assim, começaram a surgir academias de halterofilismo para fazer o dedo
engordar, cursos de treinamento, as escolas inseriram no currículo como tornar
o dedo mais gordo e assim por diante.
A
alegria descontraída deste país acabou, pois agora havia uma nova filosofia de
educação. Mas os anos de passaram e a princesa continuava triste e não
encontrava um rapaz para se casar. O rei quis saber por que a princesa disse
que preferia o reino como era antes, onde todos eram alegres e felizes, pois
agora todos só se preocupavam em ter o dedo mais gordo. Então o rei decretou
que todos voltassem à condição anterior.
Esta
história nos faz pensar em muitas coisas. Pensar em nós mesmos, em nossas
famílias, em nossos grupos de convivência e em nossas igrejas. Ela nos faz
pensar que a tentação para termos uma Igreja dos Dedos Gordos, onde todos devem
ser iguais, está presente em nossos dias. Pensando nisto, numa perspectiva
reflexiva e meditativa, e tão somente isto, poderíamos elencar algumas
possíveis evidências de uma Igreja que caminharia nesta direção. Então vejamos:
1.
Uma espiritualidade fundamentada no louvor e na intercessão intimista,
individualista e escapista, em detrimento de uma espiritualidade equilibrada e
vivenciada com a vitalidade e a força do Espírito Santo para a renovação da
mente e transformação da vida;
2.
Um crescimento como fim em si mesmo e sem o devido acompanhamento e instrução
doutrinária e capacitadora para a vivência dos valores do Evangelho e para o
exercício dos diversos ministérios;
3.
Uma ética que virou estética, perfumaria e apetrechos da vaidade humana, sem a
preocupação com os valores do Evangelho que orientam os diversos
relacionamentos;
4.
Um ministério de corte profissionalizante que gira em torno da pessoa e não das
pessoas que são sujeitos e não objetos da ação pastoral;
5.
Um carisma que virou crisma, que criou cisma e que se transformou em fábrica de
estereótipos;
6.
Uma deformação do “pelos frutos os conhecereis” para julgamentos precipitados,
juízos pré-concebidos e padronização dos frutos e das experiências;
7.
Uma exacerbação do agora, do presente, do já, do possuir, do fazer, do
conquistar, em detrimento do kairós de Deus, do tempo oportuno, do já, mas
ainda não, do ser que deve caracterizar a vivência missionária e eclesial da
Igreja;
8.
Uma perda do sentido da integralidade do ser povo de Deus e não conformação com
as exigências da justiça do Seu Reino em função de projetos mesquinhos,
populistas e massificantes;
9.
Uma diluição e diminuição da espiritualidade do amor e da ternura por atitudes
de intimidação, de massificação e de constrangimentos;
10.
Uma minimização de conceitos e princípios bíblicos e teológicos, tais como
obediência, fidelidade, santidade, integridade e pureza, por definições
pejorativas e estigmatizadoras;
11.
Uma atitude de desconsideração da herança de fé e das vivências já consolidadas
em prol de um "doutrinamento" relativizado e sem fundamentação na
doutrina dos apóstolos;
12.
Uma utilização dos diversos níveis de autoridade e de liderança como brinquedo
e joguete, onde as pessoas são objetos e não sujeitos;
13.
Uma perda da convivência afetiva, inclusiva, empática e pastoral em prol de uma
comunhão forjada, institucional e de forma policialesca;
14.
Uma busca de santificação sem o arrependimento, sem confissão, sem os frutos do
arrependimento, sem as evidências da nova vida em Cristo Jesus e sem ruptura
com as práticas do “velho homem”;
15.
A valorização e legitimação de movimentos homogêneos que preconizam uma unidade
eclesial, nos limites da denominação, sem afetividade e sem respeito para com o
pensamento divergente, não refletem, definitivamente, a pertença ao Reino de
Deus;
16.
A minimização da presença da Igreja na sociedade através da promoção da
auto-ajuda no lugar da reflexão bíblica, teológica e pastoral, do culto
destituído de atos de arrependimento, confissão e dedicação a Deus e
transformado em shows cultos, ou da falta de ética, do individualismo, da
discriminação e da exclusão;
17.
A busca por uma vida em discipulado sem a transformação do caráter humano, sem
a disposição para a renúncia e para o “morrer em Cristo”, sem tolerância e
solidariedade e sem a intenção de andar como Cristo andou;
18.
Uma educação bancária e, portanto, castradora da capacidade de reflexão, em
desobediência ao Plano para a Vida e Missão que preconiza uma educação
libertadora, transformadora e capacitadora;
19.
Uma Igreja que anda pelo caminho dos justos, mas que de vez em quando chega às
raias da impiedade e da injustiça;
20.
A Missão dissolvida em atos de missionar.
Seriam
estes itens, ou outros, ou ainda a tese deste texto evidências de uma Igreja do
tipo Reino dos Dedos Gordos? Parece que as pessoas estão numa arquibancada
esperando o jogo começar ou aguardando o que vai acontecer durante o jogo.
Alguns começaram a partida antes do apito. Outros querem ter o apito em suas
mãos, para ditar ar normas e as regras. Mas os que “esperam no Senhor” também
esperam que os árbitros não sejam adeptos deste País dos Dedos Gordos e que a
partida comece com alegria e esperança do serviço, pois, afinal, somos chamados
para sermos servos/as de Deus e da Igreja e fazermos a Sua Vontade e não as que
os “dedos gordos” nos intimidam a fazer. Afinal vivemos na perspectiva do Reino
de Deus que está presente e que nos projeta para a vida eterna. Um Reino de
paz, de justiça, de fraternidade, de solidariedade, de afetividade, de
benevolência, de humanidade, de beleza, de grandeza de coração, de amor e de
caridade, mas um Reino que não termina aqui, pois ele se estende para o futuro,
futuro na perspectiva de um Deus que ama e que se revela como Pai, Pastor,
Educador, Perdoador, Justo Juiz, Poderoso e Sustentador da vida.
*
Alves, Rubem. O País dos Dedos Gordos. São Paulo. Edições Loyola. 1986.
_______________________________________________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário