Deus fez


Sermão do Monte, Fra Angelico
O que a lei de Moisés não pôde fazer porque a natureza humana era fraca, Deus fez. Romanos 8.3a

No livro Graça de Deus e saúde humana, Harold Hellens disse que a graça de Deus é incondicional, arbitrária, universal, eficiente e radical. Incondicional como na parábola do Filho Pródigo. Tão universal quanto à aliança que em Abraão abençoou todos os povos. Radical no sentido de atingir o ser humano quando este se encontra na sua maior indigência e separação. Arbitrária porque, assim como o Espírito de Deus, sopra onde quer e sobre quem lhe apraz. Eficiente porque todo aquele que foi alcançado por ela não reivindicou de Deus outra providência.

Assim como a maldade humana, o abismo entre Deus e os homens parece crescer cada vez mais. Não seria leviano afirmar que cada fase da história humana tem conhecido e tem amargado as consequências do seu pecado. Contudo, cada um desses episódios conheceu um final. Um final que afirma sempre que, apesar do pecado, Deus continua a cuidar do ser humano. O final é esse: apesar de tudo que temos feito contra Deus e contra o próximo, o final é que Deus continua a nos alcançar com a sua graça.

Até a iniciativa frustrada da Torre de Babel a Bíblia fala da humanidade em geral, mas a partir do capítulo 12 do Gênesis ela passa a focar apenas um homem, sua mulher e sua família. Abraão e Sara começam a viver debaixo da promessa de que a graça somente se consumaria no final da história da sua família. O final da promessa de Abraão anuncia o final da graça de Deus sobre a humanidade. Por esse motivo, Deus age em todo o Primeiro Testamento para restaurar o relacionamento com a descendência desse casal e para fazê-los entender que eles não eram um fim em si mesmos, mas um meio pelo qual a graça de Deus atinge a todas as pessoas.

O povo de Deus sempre teve dificuldade de sustentar em sua história uma teologia bíblica da graça. A percepção da graça foi perdida vez após vez na história. O judeus levaram aproximadamente mil anos para perdê-la; alguns cristãos, menos do que quinhentos anos; e os reformadores protestantes? Nós temos uma tendência natural, que já se tornou até compulsiva, de tentar reter em nossas mãos o controle da justificação. Para nós sempre foi uma questão de mérito. Se andamos dentro da lei, somos premiados, se escorregamos, somos punidos. Se pensamos assim, por que ainda continuamos pecando a despeito dessa equação tão simples? Mas isso está tão arraigado em nosso ser que não conseguimos pensar diferente. Somos assim porque para nós é extremamente assustador aceitarmos a graça gratuitamente. Para nós, religião se transformou em um código que determina aquilo que não podemos fazer. Usamos a Bíblia como se ela fosse um código inflexível de proibições e condenações, e aí, quando reconhecemos a nossa relação estreita como irmão mais velho do pródigo, quando aceitamos a realidade de que não conseguiremos jamais cumprir com todas as exigências da religião, fazemos as coisas se tornarem realmente impossíveis.

Ninguém conseguiu ser aceito por Deus obedecendo um código moral. Essa preocupação nossa de tentar controlar a justificação, de fazer com que a eleição de Deus seja meritória, de isentarmos a nós mesmos de toda a culpa é o que cria a mentalidade moralista. As prescrições de Jesus no Sermão do Monte parecem corroborar com a ideia de que ficaríamos livres de toda a culpa se obedecêssemos este código moral, mas o seu propósito é exatamente oposto. Ele é uma palavra devastadora que condena como homicida a pessoa que jamais assassinou alguém. É uma palavra duríssima que condena como adúltero aquele que diz não tem cometido um ato imoral sequer. É uma palavra perturbadora que revela o ódio da pessoa que tanto se orgulha do seu amor. O Sermão do Monte é uma palavra avassaladora que revela a hipocrisia da pessoa com a sua própria retidão. Ele é justamente oposto a qualquer código moral, porque nos mostra o que está faltando à nossa retidão. Ele diz com todas as letras que é totalmente impossível livramos das nossas culpas através de uma conduta perfeita.

Se a resposta não está em nós, não está naquilo que fazemos, não está naquilo que deixamos de fazer, não está nas boas ou nas ótimas intenções, onde estará então? (continua)


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