Crer para ver ou ver para crer? II

Ressurreição da filha de Jairo, Vasily Polenov (1844-1972)

Logicamente que muitos desvios a fé do ver para crer igualmente possui, mesmo porque o conhecimento cedo encontra os seus limites, enquanto que a fé sobrepuja a todos quantos lhe são propostos. Não existe uma maneira de conhecimento e fé andarem por muito tempo juntos. Vamos encontrar por quês na nossa vida que nunca encontrarão resposta no intelecto. Há de chegar a hora em que a investigação tem que dar lugar à confiança irrestrita, em que a fé deve se entregar ao desconhecido e dar o seu inevitável salto no escuro. Temos que nos lembrar de também que até mesmo os maiores revolucionários que o mundo conheceu, interrompiam as suas lutas para procurara em seus portos seguros momentos de aconchego. Hernesto Guevara de la Serna, conhecido por todos como Che, expressou muito bem esta necessidade latente quando disse: Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.

Ver para crer é ter uma fé muito mais inquietante do que simplesmente aguardar o desenrolar dos acontecimentos para tomar uma decisão ou ter uma postura. É viver a agonia eterna do já e do ainda não caraterísticos do Reino de Deus. Talvez seja justamente este o ponto que os faz não tão bem aventurados, pois a estes, até o próprio descrédito espanta, pois bem disse Bertand Russel: O problema todo com o mundo é que os tolos e fanáticos estão sempre tão certos de si mesmos, enquanto que os mais sábios estão sempre cheios de dúvidas

Quem leu apenas estas duas últimas meditações, vai imaginar, com toda justiça, que eu fiz apologia à fé baseada em provas em detrimento da fé intuitiva. Pode ser que sim, mas tenho como atenuante que em outras meditações, como por exemplo, em Entre a Fé e a Razão, parte I e parte II, fiz exatamente o contrário, porque na ocasião julguei tratar-se de outro contexto, onde a razão perde espaço para a fé. É essa orientação que a mensagem cristã segue, diferentemente de se basear no rigor de uma lei inflexível, que é aplicada a todos sem distinção ou consenso, esta fé pode ser traduzida nas simples, porém, incisivas palavras de Jesus: Ouvistes o que foi dito aos antigos? Eu, porém, vos digo.

Dito isso, voltemos à nossa realidade, a realidade que diz que de nada importa a minha opinião ou a opinião de quem quer que seja sobre este dilema da fé trazido à tona nestes dois últimos dias. Importa sim como Jesus tratou desta questão, e como dividiu a sua atenção entre os viram e creram e os que não viram e creram. Importa observar como a questão foi resolvida, pois não foi fundamentada na fé cega e nem na lucidez da razão. Basta que observemos a hora em que Jesus esclareceu esta dúvida. Não foi à luz do dia, na clarividência dos fatos e iluminado pelas mentes privilegiadas e inquiridoras. Mas também não foi na escuridão em que se dá o salto decisivo da nossa vida. Foi ao cair da tarde, no lusco-fusco como os antigos gostavam de dizer. Lusco, de quem enxerga mal, com fusco, de esfumaçado. Esta hora proposta por Jesus não privilegia um dos lados e nem determina quem está com a razão, porque sua proposta não era anunciar um estado monolítico que racharia de vez esta questão.

Esta é uma questão melindrosa e que pode muito bem ser decisiva para a vida de dois tipos de cristãos: aqueles que possuem a singeleza da fé adolescente e que ainda necessitam de orientação e cuidados, e aqueles que já tiveram ao longo de uma longa caminhada a sua fé provada pela aflição dos infortúnios. Pelo que se pôde observar, nem todos do estreito grupo dos doze escolhidos por Jesus viviam a sua fé o mesmo estágio. Havia entre eles crédulos por natureza, como se supõe ter sido João, o evangelista, como também os céticos de nascença, como Tomé. Mesmo consciente dessa diversidade, Jesus não fechou questão sobre qualquer posicionamento, abraçou a todos como filhos amados.

Infelizmente esse ainda é o grande motivo da cisão das igrejas: a imposição de uma forma de pensar sobre outra. Logicamente que a fé cristã tem as suas cláusulas pétreas, mas há de se fazer ressalvas às demais, como bem disse John Wesley: Quanto a todas as opiniões que não danificam as raízes do cristianismo, nós pensamos e deixamos pensar. Paulo, o mais radical teólogo primitivo colocou entre os atributos do amor esta dúvida quando afirmou que o que conhecemos é apenas parte de um todo inominável.

Ver para crer que Jesus venceu a morte, como foi o caso de Tomé, ou crer para ver a sua Talita ser arrancada dos braços da morte, como fez Jairo, são vitórias sobre o obscurantismo de uma fé que prima pelo fanatismo da discriminação e sobre a impiedosa racionalidade crua dos destruidores de sonhos. Seja qual for a opinião que sustentamos, temos que admitir que para atravessarmos as muitas encruzilhadas que o destino nos apresenta, temos que lançar mão de uma ou de outra posição indistintamente, sem corrermos o risco de nos encontrarmos em oposição à vontade de Deus. Quem nos assegura isso não é a certeza do ver e nem a voluntariedade do crer. É um Pai amoroso que nos espera de braços abertos. Um Deus cujo amor, ainda que superficialmente, pode e deve ser cantado nos versos de mais duzentos hinos compostos pelo missionário português Henry Maxwell Wright, como este a seguir:

Inda que indigno foste escolhido,
Jamais vacile, porque te amei.
Quem dos meus braços pode arrancar-te?
Seguro sempre te guardarei!

Oh! Não temas, porque eu contigo sempre serei.
Oh! Não temas, porque eu nunca te deixarei.

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