O semeador, Vincent Van Gogh |
O solo pedregoso em
que ela caiu é aquele que acolhe com alegria a palavra ouvida, mas
não tem raízes, é inconstante: sobrevindo uma tribulação ou uma
perseguição por causa da palavra, logo encontra uma ocasião de queda. Mt
13, 20-21
As leituras recomendadas pelo Calendário Litúrgico para hoje fazem um paralelismo entre duas profecias bem relevantes. Jeremias dizia que a partir daquele dia, para Israel um dia de grandes perdas materiais, não haveria mais objetos sagrados que representasse Deus na relação entre ele e seu povo, a Palavra seria a novo e único meio de adoração aceita e atendida. Mesmo a Arca da Aliança, talvez o objeto mais cultuado do mundo até então, sequer seria novamente citada ou lembrada, tantos nos cultos quanto no cotidiano. Chega a ser impressionante o radicalismo de Jeremias quanto à peça que era a representação máxima de Deus na terra. Doravante não teria mais qualquer utilidade, e a sua lembrança deveria ser apagada para sempre. Era como um novo recomeçar, a instituição de uma nova e definitiva aliança, só que agora não mais tendo como sinal um objeto, mas uma palavra que deveria ser guardada no coração de cada um.
A segunda profecia, essa narrada no segundo testamento, também fala da importância que cada um dá a Palavra de Deus, quando a recebe em seu coração. Para não deixar dúvidas quanto ao compromisso que cada um precisa ter com ela, Jesus conta a inquietante parábola da semente, e o que acontece com ela quando cai nos mais diversos tipos de solo. Para efeito da nossa meditação vamos ficar com apenas com a semente que caiu em solo pedregoso, que aqui pode muito bem se referir ao conjunto das coisas que se agregam à Palavra quando esta chega ao coração do ouvinte. A mim me parece uma crítica aberta aos adornos e atributos que lhe são atrelados para fazê-la atrativa, e, de certa forma, até protegida contra as intempéries e contra os adversários. Uma advertência declarada àqueles que recebem a Palavra com a alegria depositada no seu invólucro, e não em seu conteúdo, naquilo que, assim como a Arca da Aliança, era visível, e não nos sinais que ela anuncia.
Não são poucas as vezes que o Primeiro Testamento faz alusão à alegria do povo diante da Arca. Uma destas narrativas expõe a atitude ridícula de Davi ao se mostrar seminu enquanto “dançava” à sua volta. Alegria manifesta pela presença do objeto material e pelas vantagens que este supostamente continha, esquecendo-se completamente de que ela simplesmente apontava para algo infinitamente maior e mais importante.
É bastante concebível que estes dois textos sirvam para a reflexão de um período ou mesmo de um estado de coisas, e não apenas de um dia como propõe o Calendário. São palavras mais que oportunas para desafiar o atual momento em que a Igreja Cristã está atravessando nos dias de hoje, quando os atrativos são as curas, as promessas de prosperidade e as mega estrelas gospels. Jeremias e Jesus não poderiam ser mais atuais e nem suas palavras mais apropriadas para os nossos tempos. Tratando apenas do Brasil, este país nunca foi tão “evangélico” como nos nossos dias. O crescimento do segmento não católico da igreja nunca foi tão expressivo e preocupante como hoje, daí a relevância da mensagem destes dois textos para o nosso momento atual.
Observem que os profetas nunca denunciaram a falta de pessoas nos cultos, como também por poucas vezes tocaram no assunto de dinheiro em suas pregações. Observem também que Jesus, quando contou esta parábola, já contava com um grande número de seguidores que o acompanhavam fielmente onde quer que fosse, simplesmente por causa de seus milagres. Ou seja, o cenário delineia-se espantosamente semelhante à nossa realidade. Não seria possível estas palavras serem mais contextuais, a não ser que constasse nelas nome, sobrenome, endereço e CEP de cada um de nós.
Seria bom que nos déssemos conta de que ambos os textos aludem a alguma tribulação que está próxima, e que o socorro contra ela poderá ser encontrado apenas e tão somente no conteúdo da mensagem, nunca nos seus adereços. Seria importante que nos lembrássemos de que tanto Jeremias quanto Jesus, não falavam por si, mas pregavam a Palavra de Deus. Uma palavra que nunca volta para ele vazia, mas, invariavelmente, sempre prospera naquilo para qual foi designada. Sobre tudo, nos déssemos conta também de que são advertências para o tempo presente e não narrativas de fatos que ficaram no passado.
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