Se Deus existisse...

Kobane, a cidade de Aylan na Síria.
E lembrem daqueles dezoito, do bairro de Siloé, que foram mortos quando a torre caiu em cima deles. Vocês pensam que eles eram piores do que os outros que moravam em Jerusalém? De modo nenhum! Lucas 13.4-5

Mais uma vez o mundo fica estarrecido com uma simples foto das inúmeras que foram tiradas de mais uma chocante tragédia que assola a nossa geração. A imagem do menino sírio Aylan morto com o rosto na areia é algo que deixa consternado até mesmo o mais empedernido coração. Não deve haver uma pessoa sequer que não estivesse diretamente envolvida neste ou em semelhantes conflito que não tenha se sentido a pior das criaturas.

Por mais distante que estivéssemos regionalmente daquela situação, a cena de uma criança branca e bem vestida se incumbiu de trazer a tragédia para dentro de nossas casas, e não existe possibilidade alguma de não termos esboçado uma reação de indignação e repugnância profundas. Vários foram as pessoas e organizações que manifestaram publicamente o mais exato realismo dos seus sentimentos. Algumas destas manifestações nos trouxeram à memória alguns outros flagrantes de crianças vitimadas por tragédias semelhantes. A do menino africano assediado por um urubu, a da menina vietnamita correndo de um bombardeio e de outras crianças mortas por bombas, tiros e afogamentos. Mas uma me chamou especial atenção, a referência ao fato dada pela ATEA – Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, que, como legenda da foto do Aylan, dizia: Se Deus existisse, seria um canalha.  

É mais que justo a pessoa manifestar a sua opinião, e a expressão dos sentimentos é muito bem-vinda, pois elas revelam a parcela de culpa que cada um de nós sente diante de um infortúnio de tamanhas proporções. Mas o que temos aqui é uma evidente manifestação de culpa que sendo transformada em uma caça às bruxas que supostamente seriam as causadoras da tragédia. Notem que a ATEA não está se referindo à existência de qualquer deus. Não está em questão aqui a existência do Deus muçulmano, religião predominante naquele país, nem os deuses de povos vizinhos, tais como os deuses do hinduísmo ou das ostras culturas árabes. O alvo dos ateus e agnósticos desta associação é diretamente o Deus dos cristãos. Diria o meu amigo super-ateu, a quem me referi em uma postagem anterior, que isso é uma estratégia ignorante, pois em uma circunstância em que a existência de Deus é contestada, a sua onipresença não pode sequer pode ser cogitada. Eu queria que a ATEA me explicassem, dentro do seu conceito de divindade, como é que o deus que não existe aqui pôde ter ingerência no conflito em um país que venera outro deus, que, segundo eles, também não existe?

É justamente sobre as diferentes formas de nos sentirmos culpados que trata o texto de Lucas 13. Fala dos que assumem indiretamente a sua parcela de culpa e dos que manifestaram o seu sentimento de culpa, culpando outros, ou mesmo culpando as próprias vítimas das tragédias a que foram acometidas. O texto mostra a indignação de Jesus contra aqueles que diante de mal avassalador, não esboçando qualquer reação positiva no sentido de amenizar o sofrimento, se propõem tão somente a apontar culpados. 

Jesus nos diz que se nós, ainda que distantes, se estamos pensando que somos melhores pessoas, e por isso menos culpados dos que os agentes causadores das tragédias estamos redondamente enganados. Se caminharmos mais um pouco neste texto, nos depararemos com a parábola da figueira estéril, em que Jesus diz claramente que o momento é de transformamos toda a nossa indignação em solidariedade. Ele nos chama da culpa para a responsabilidade. Não somos diretamente culpados, mas somos todos, judeus, cristãos, muçulmanos e agnósticos intransferivelmente responsáveis.

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