Abraão sepulta Sara, Tom Lovell |
Israel, sempre em movimento, primeiramente nômade e depois
exilado, jamais experimentou verdadeiramente o que é “morar”. Nem mesmo dispõe
dum termo que exprima exatamente essa ideia. É obrigado a descrever simplesmente
o que vê: um homem sentado (Gn 25.27), o vencedor de pé, único sobrevivente da
batalha (I Sm 17.51), ou ainda as tendas armadas habitualmente nas mesmas
pastagens (Gn 16.12). Só os tradutores gregos é que irão expressar as nossas
ideias familiares de casa, estabilidade, permanência.
Não obstante, esse povo, sempre a caminho, sonha em
repousar das fadigas do deserto: desejaria instalar-se e viver em paz na terra
que Deus lhe prometeu (Gn 49.9). Ao ocaso de cada grande etapa na sua história,
Israel cogita armar a sua tenda para uma “morada segura" (Dt 12.8). E na
manhã das novas partidas retoma coragem ouvindo os profetas anunciar-lhe um
lugar em que se radicará (Am 9.15), uma tenda que não será arrancada (Is 3.20),
ou mesma uma "casa estável e uma cidade bem fundada (2S 7,9ss; cf. Is
54,2). Mas sempre de novo Javé, seu pastor, “destrói as suas moradas” (Am 5.15),
para o castigar e reconduzi-lo ao deserto, ou, pelo contrário, para encaminhá-lo
a novas pastagens (Sl 23). Assim, morar é um ideal sempre esperado, mas nunca
atingido, que só terá sua realização em Deus.
O que passa e o que permanece
“Passa a figura deste mundo” (I Co 7.31). Eterno viandante, não
pode o homem permanecer neste mundo, não dura: como toda a carne, semelhante à
erva, ele tem vida breve, fenece e morre (Is 40.6). O mundo em que ele vive ao
menos parece mais estável (II Pe 3.4), a terra está solidamente colocada sobre
os seus fundamentos (Sl 104.5) e Deus garantiu a Noé a regularidade das leis
da natureza (Gn 8.22). Mas essa promessa vale somente “enquanto durar a terra”,
pois "os céus serão abalados” (He 12.26); e Cristo preveniu os seus: “O céu
e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24.35).
A Aliança do Sinai fundada na Lei e nas
palavras de Deus, mostrou-se ela própria caduca: os hebreus, infiéis a Javé,
desobedientes à Lei, não puderam permanecer morando na terra prometida (Dt 8,19).
Numa palavra, não “permaneceram na aliança” (He 8.9). Esta era apenas
uma figura passageira da nova aliança (Jr 31.31; Mt 26.28).
Mesmo dentre as realidades da nova economia algumas
passarão, como os carismas da profecia e de ciência ou o dom das línguas; mas
"a fé, a esperança e a caridade permanecem todas as três” (I Co 13).
Assim, este mundo não é uma “cidade permanente”, é preciso dele sair (He 13.13);
o próprio cristão sabe que “sua morada terrestre” é apenas uma “tenda” da qual
deverá desalojar-se para ir domiciliar-se junto do Senhor (II Co 5.1-8).
Só Deus permanece, ele que é, que era e que vem
(Ap 4.8), "Ele é o Deus vivo, ele perdura para sempre” (Sl 102.27). Assentado
nos céus inacessíveis, morada santa e eterna, ele se ri das ameaças (Sl 2.4).
Ele é o rochedo estável no qual é preciso se apoiar. Sua palavra, seu plano,
sua promessa, sua realeza, sua justiça, seu amor permanecem para sempre. É ele
que dá solidez a tudo que na terra possui alguma estabilidade na ordem física
quanto na ordem moral (Sl 119,89).
Por isso, o justo é como uma árvore plantada, que permanece
de pé no dia do julgamento (Sl 1.3), ou como o homem que fundou a sua casa
sobre a pedra, isto é, sobre Cristo, única pedra angular inquebrantável. Para
subsistir, o homem deve com efeito apoiar-se na solidez de Deus, isto é, deve crer
e perseverar na fé naquele que é "o mesmo ontem, hoje e para sempre” (He
13.8).
Deus habita em nós e nós nele
Por sua presença, Deus permite aos homens permanecer. Deus
construiu para si em Sião um templo em que reside o seu Nome e que a sua glória
preenche. Essa morada é de resto provisória; será, com efeito, profanada pelo
pecado; então a glória de Javé a abandonará, e o povo será levado para o exílio
(Ez 8.1-11).
Ora, "o Verbo se fez carne e habitou entre nós”.
Ele, o “Emanuel”, cujo reino não terá fim, deve
"permanecer para sempre” porque o Pai permanece nele e ele está no Pai. A sua presença sensível deve cessar; ele deve deixar os seus,
pois deve preparar para eles as numerosas moradas da casa de seu Pai.
Para que o Espírito Santo nos seja dado e permaneça em nós,
a volta de Cristo a seu Pai era necessária. Havendo assim recebido a unção de
Cristo, o cristão permanece nele se come a sua carne, se vive como Ele viveu,
no seu amor, sem pecar e guardando a sua palavra. Com isso, tanto o Pai como o
Cristo e o Espírito permanecem nele. Uma união tão íntima e fecunda como a dos
ramos e do tronco na vinha forja-se entre Deus e o cristão; ela permite que
este permaneça, isto é, que produza fruto e viva eternamente.
É assim que Cristo “em quem habita toda a plenitude da
divindade” (Cl 2.8-9) inaugura o reino que subsiste para sempre (He 12.27s) e constrói
a cidade sólida (He 11.10), cujo único fundamento é ele próprio (I Co 3.11).
Fonte: Vocabulário de Teologia Bíblica. Vozes
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