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A viúva e o juiz iníquo, autor não identificado |
É bem provável que no universo religioso atual o elemento
mais manipulável e, por conta disso, o de mais difícil consenso seja justamente
aquele que deveria ser o ponto de convergência onde todos os segmentos da
religião se apoiariam, ou seja: a fé. Tratando-se de fé cristã, uma análise superficial
da situação vai nos fazer perceber de imediato que algo está muito errado na
maneira como a igreja tem vivido e testemunhado a sua fé. E o que é pior: não
seria preciso nem mencionar os pejorativos que tantos ateus quanto agnósticos atribuem
aos cristãos quando tratam especificamente desse assunto, para concluirmos que no
contexto em que vivemos a maioria deles é pertinente.
Se na disputa acirrada que as denominações travam entre si,
o poder que uma igreja proclama ter pelo fato de possuir mais fé que a
concorrente, vem a ser o fator decisivo para que esta atraia um maior número de
membros, e, consequentemente, uma maior arrecadação, são essas mesmas igrejas
as primeiras a declarar que o milagre, a bênção, a unção ou seja lá que nome
deem a isso, depende da fé com que a pessoa
esteja imbuída. Resumindo: para se conseguir a graça que tanto se deseja,
se faz necessário: 1- ter muita fé. 2- frequentar uma igreja cuja manifestação
da fé seja inquestionavelmente notória.
Tenho que admitir que ando cansado de trazer á tona o mesmo
assunto, e admitir também que já é hora de perceber que tenho esgotado a
paciência de vocês com isso. Foi aí que, recomendado pelo mestre Jonas, resolvi
abordar o tema sob outro ponto de vista. Deixar de lado um pouco o que os
requisitos para se ter fé, e levar em conta os compromisso que esta mesma fé
exige de nós, uma vez que estejamos possuídos por ela. Fala-se muito naquilo
que a fé pode nos proporcionar, no que a fé pode realizar por nós, e até onde a
fé pode nos levar, Porém, fala-se muito raramente ou quase nunca sobre as
atitudes que a fé exige de nós, além da contribuição financeira, é claro.
Para isso não seria preciso, antes de mais nada, saber que a
fé tem um compromisso inalienável com a verdade? Parece que para muitos já não
é o bastante ter que conviver com a fé desvinculada da razão, pois o que mais
se vê é gente buscado na fé as coisas inexequíveis, as mais absurdas e,
logicamente, as que levantam as maiores suspeitas. Longe de mim afirmar com
isso que não creio que algumas manifestações de fé sejam realmente
sobrenaturais, mas sim deixar claro que o sobrenatural nunca foi, nunca tem
sido e nunca será o elemento primordial da fé.
Não falo também da verdade como constatação da realidade,
pois essa é na maioria das vezes cruel e impessoal. Afirmo com todas as letras
que a verdade que a fé contempla não é aquela que escolhe alguém para ser “o
cara”, mas a que tem a sua raiz profundamente fincada na preocupação com o outro,
principalmente quando o outro é o mais fraco e desvalido, com aqueles que a Teologia
da Libertação chama de “os pobres de Javé”, em plena conformidade com o Salmo
69, que diz: Quando os que são
perseguidos virem isso, ficarão contentes, e os que adoram a Deus ficarão
animados. Pois o Senhor ouve os necessitados e não despreza o seu povo que está
na prisão.
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