Sabedoria, estatura e graça

E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens. Lc 2,52
Jesus entre os doutores, José de Ribera (1591-1652)
A despeito de toda a especulação que há milênios se faz da adolescência e da juventude de Jesus, Lucas as narrou em um breve resumo de apenas três palavras que praticamente dizem tudo aquilo que necessitamos saber. Em Gálatas 4.4, Paulo já havia antecipado que nada de sobrenatural acontecera com Jesus desde o seu nascimento até o seu batismo por João Batista, no rio Jordão. Paulo também foi objetivo em suas palavras quando disse que Jesus havia nascido de mulher, como todo mundo, e, como todo mundo também, havia nascido sob a lei.

Embora Lucas tenha feito a síntese da síntese, não deixou de fora nenhuma virtude que bons pais almejem para os seus filhos. Não é a toa que este versículo é o mais repetido em cerimônias de batizado ou de apresentação de crianças, porque isto é o melhor que a igreja pode desejar ao novo potencial membro de sua comunidade: um crescimento em sabedoria, estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens. Porém, pode ser que esta simples frase contenha um paradoxo enorme. Pelo menos, por tudo que foi escrito neste blog até então e por todo consenso do evangelho e da Bíblia como num todo, ninguém pode agradar a Deus e aos homens ao mesmo tempo. É fato que nem mesmo Jesus conseguiu esta façanha, embora o testemunho de Lucas, calcado em minuciosa pesquisa, assim o apresentasse.

Logicamente que a essência do paradoxo não está nas palavras sabedoria ou estatura. Pode muito bem uma pessoa crescer nestes dois aspectos e continuar atraindo para si a admiração dos homens e ser um servo aprovado por Deus. A pessoa pela sua altura ou pela sua cultura pode, quando muito, ser invejada, mas nunca discriminada. A palavra de peso que faz toda a diferença na narrativa de Lucas é a palavra graça. Ela sim suscita uma inominável questão: como uma pessoa pode ser aprovada por Deus, ao mesmo tempo cair na graça dos homens? Porque crescer em graça nada tem nada a ver com a investida tentadora iniciativa que todos temos de cair nas graças, agradar, ser admirado ou exaltado pelos homens. Crescer em graça é muito mais sério e evoca muito mais responsabilidades do que ser bonzinho ou de vir a se tornar um exemplo de conduta. Crescer em graça significa ser um canal cada vez mais presente da graça de Deus no mundo. Isso sim é algo que agrada plenamente a Deus e é de sumo benefício para todos os homens, mesmo que eles não venham a saber ou que de antemão rejeitem tal graça.

Ser canal da graça jamais irá nos render qualquer mínimo prestígio. Dificilmente, a não ser por interesses estranhos aos princípios da graça, estaremos em destaque na mídia ou atrairá sobre nós a os atributos necessários para que os homens nos exaltem. Pelo contrário, estaremos cada vez mais percorrendo o caminho do anonimato e as sendas da obscuridade. Quem pode nos dizer se não foi justamente por crescer tanto na graça de Deus que os homens fizeram com que a adolescência e a juventude de Jesus passassem em branco pelos registros da história?

Sei bem que se torna muito complicado para um pai ou uma mãe desejarem esse tipo de crescimento para os seus filhos. Mas sei também que é a única maneira pela qual o mundo pode vai ser transformado é pela graça. O crescimento em estatura e em sabedoria cedo encontram os seus limites, mas o crescimento em graça não conhece fronteiras, limitações ou sequer razões que justifiquem tamanha abrangência. É assim a graça de Deus, tão misteriosa quanto necessária. Tudo aquilo que podemos entender a respeito dela, Deus nos fez conhecer através da boca do poeta português Fernando Pessoa:
  
Se eu te pudesse dizer
O que nunca te direi,
Tu terias que entender
Aquilo que nem eu sei.

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