Havemos de esperar outro?


A pregação de João Batista, Peter Bruegel
És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?  Lucas 7.19b

O tema da espera é recorrente em todos os evangelhos. Aqui mesmo neste blog, não faz muito tempo, tratamos do aspecto da ansiedade que a espera nos causa através do post http://amosboiadeiro.blogspot.com.br/2013/02/quanto-tempo-esperaremos-ainda.html. O texto sugerido de Lucas traz à tona um outro aspecto igualmente inquietante: as dúvidas que são comuns ao período da espera. Uma dessas esperas inquietantes foi, sem dúvida, a do pai do filho pródigo. A cena daquele senhor de idade fitando o horizonte na expectativa de ver o contorno do corpo o filho ainda longe, não pode não ter sido recheada de equívocos, alucinações e miragens. Talvez seja por isso que nenhum artista plástico tenha ainda conseguido retratar a expressão daquele olhar, que estava ao mesmo tempo fustigado pela esterilidade da saudade, e prenhe da esperança de um reencontro.

A despeito de todo romantismo que envolve o tema, a dura realidade da espera é algo que a tudo custo tentamos abreviar, quando não conseguimos evitar. É pelo tom de urgência da mensagem de João Batista que podemos perceber a sua angústia e relutância para aceitar em seu coração que a chegada do Messias que o sucederia, e em nome do qual vivera uma vida de privações no deserto como seu arauto, estava plenamente confirmada.  

Não podemos dizer ao certo quais eram as dificuldades que ainda impediam João de abraçar esta incontestável verdade. Ele soubera dos mortos que haviam sido ressuscitados, dos que antes eram coxos e agora saltavam, dos cegos que voltaram a enxergar e da grande notícia que havia chegado aos ouvidos dos miseráveis, mas ainda assim seu entendimento não era suficientemente claro. O Messias que ele esperava e em quem depositara toda a sua esperança teria que ser uma figura muito mais austera do que ele, João, havia se mostrado. Suas palavras deveriam fazer sangrar bem mais profundamente a consciência dos que estavam se perdendo no pecado. Aquele do qual não se sentia digno sequer de desatar as sandálias deveria ser o exemplo máximo da moral elevado e da conduta irrepreensível. Mas Jesus não era nem sombra disso. Jesus estava em um processo de aproximação das pessoas que pregava a liberdade em primeiro lugar. Liberdade inclusive para se deixar escravizar novamente pelo pecado. Neste mesmo capítulo de Lucas o próprio Jesus fez um balanço comparativo dos dois estilos de vida: Pois veio João Batista, não comendo pão, nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores! (Lc 7.33s)

Isso sim pode ter contribuído bastante para os questionamentos de João. Exatamente assim acontece conosco quando duvidamos que o Espírito de Deus possa estar soprando em locais que julgamos ser os mais impróprios. Quando Jesus disse que dos filhos de mulher ninguém se igualou ao Batista, ele profetizou as enormes diferenças que estabeleceriam entre nós e ele. João teve a coragem de perguntar, de confrontar de colocar Jesus contra a parede. Arrancou da boca de Jesus um dos seus mais profícuos sermões. Teve do próprio Jesus a resposta definitiva: Jesus comia com os pecadores, mas o Reino de Deus estava sendo pregado.

O nosso problema da espera consiste na incredulidade dos sinais. Parece que não vimos o bastante, que não experimentamos o bastante, que não cremos o bastante. Talvez isso não seja tão ruim quanto não termos a coragem de expor diretamente para ele as nossas falhas e a nossa ansiedade. De pedirmos que o seu Espírito testifique com o nosso espírito que o Reino de Deus está entre nós.

A Bíblia não nos dá detalhes de João após o seu embate com Jesus. Fala apenas da sua prisão e decapitação. Mas pela convicção que João mostrou diante dos seus algozes, não pode haver qualquer dúvida: Ele morreu na certeza de que o Messias que ele almejava ver era infinitamente pequeno e impotente diante daquele que ele passou a conhecer depois desse inominável confronto.

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