São Jorge da Lida

Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando vos darão; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo. Lucas 6.38
Martírio de São Jorge, Michel Coxie (1499-1592)
Logicamente que não foi por causa de uma novela em horário nobre que este mártir do cristianismo conquistou a sua enorme notoriedade. Ele talvez seja um dos santos mais ecumenicamente corretos de da fé cristã, e um dos poucos que alcançou uma quantidade considerável de adeptos também em credos é confissões não cristãos. Venerado pelas igrejas Anglicana, Ortodoxa Oriental, Ortodoxa Ocidental e Católica Romana, é também padroeiro de cidades como Gênova, Beirute, Cárceres, Ferrara, Barcelona e Moscou. Em muitas outras, como é o caso do Rio de Janeiro, é mais venerado que o próprio padroeiro desta. Curiosamente é também o santo padroeiro de um organismo que é o preferido por adolescentes e jovens nos quatro cantos do mundo: o Movimento Escoteiro, que foi fundado por um metodista, com a anuência e aprovação total do seu organizador e líder máximo, o pastor anglicano John Wesley.


Seu patronato incide sobre várias profissões, organizações, ONGs, Escolas de Samba, agremiações esportivas e movimentos de assistência social, principalmente na área da saúde. Como não poderia deixar de ser, é igualmente o grande padroeiro dos militares.

Correndo em paralelo com a sua fama, este santo possui em seu louvor uma quantidade enorme de tradições, contos e biografias, sendo que a mais aceita é aquela que diz que ele nasceu no quarto século da nossa era em Lida, uma cidade grega na Palestina, foi oficial do império Romano sob o governo de Diocleciano, sendo da guarda pessoal deste imperador que foi um dos mais mortais perseguidores do Cristianismo.

A hagiografia, palavra que deriva do grego Ágios, que significa santo, e graphein, escrever, é ciência que estuda a biografia dos santos, líderes religiosos e dos líderes carismáticos, que tem como sua publicação maior o Acta Santorum, ou Livro dos Santos, não coloca qualquer dúvida sobre a existência deste personagem na história, contudo, faz muitas restrições ao extenso folclore que circunda o seu nome. Em uma decisão no mínimo curiosa, o Papa Gelásio I declarou que: São Jorge é um dos santos cujos nomes são justamente reverenciados entre os homens, mas cujas ações são conhecidas apenas por Deus.

Quanto à tradição que especificamente fala da sua luta vitoriosa com o dragão, frei Leonardo Boff escreveu esta semana, em seu blog http://leonardoboff.wordpress.com/, um material que fala com muita propriedade e profundidade sobre o São Jorge e sobre o dragão que existe em casa um de nós. Fala desse dualismo sempre presente nas mentes conscientes, do qual nem mesmo o apóstolo Paulo se viu livre. Pelo menos é o que ele diz em Romanos 7.18: Pois eu sei que aquilo que é bom não vive em mim, isto é, na minha natureza humana. Porque, mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não consigo fazê-lo. Mais interessante é que na sua versão, São Jorge não mata o dragão, mas faz deste mal um instrumento do bem, o que basicamente é o cerne da fé cristã, como Jesus mesmo dizia: Vão e procurem entender o que quer dizer este trecho das Escrituras Sagradas: “Eu quero que as pessoas sejam bondosas e não que me ofereçam sacrifícios de animais.” Porque eu vim para chamar os pecadores e não os bons. (Mt 9.13)

A despeito da expectativa popular em torno da sua operosidade milagreira, prevalece o reconhecimento pelo testemunho de um mártir que levou a sua fé até as últimas consequências. Quer o chamemos de santo ou apenas de Jorge, como faz a novela, nenhuma pessoa que professe qualquer denominação cristã pode deixar de enxergar a mão de Deus agindo poderosamente através destes homens e mulheres que deram a sua vida para que a fé cristã chegasse até nós. Para o ecumenismo, fica o exemplo daquele que mais que se tornou mais que ecumênico, pois é um perfeito pregador do diálogo entre todas as religiões. Não é a toa que o nome desse cristão que depois de sido recalcado e sacudido por séculos de controvérsias e fundamentalismos, ainda é transbordante em nosso meio. Enfim, o juízo que fazemos sobre este autêntico santo cristão deve levar em conta apenas o que realmente ele foi, e não o que dizem que ele fez e muito menos o que se espera que ele ainda faça.

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