Mais desastrado impossível

Até quando vocês julgarão sem justiça e tomarão partido pela causa dos ímpios? Façam justiça ao fraco e ao órfão, procedam retamente com o aflito e com o desamparado.
Leiam o Salmo 82.
A punição de Coré, Botticelli, em 1480
Texto do rev. Jonas Rezende.
"Filhos respeitosos e reconhecidos de Calvino, nosso grande reformador, mas condenando um erro que foi o erro de uma época, e com firmeza apegados à liberdade de consciência, segundo os verdadeiros princípios da Reforma e do Evangelho, nós erigimos esse monumento expiatório em 27 de outubro de 1903.” Essas palavras são um pedido formal de desculpas. Mas ainda uma retratação histórica feita com austero monumento, como convém aos calvinistas, diante da atitude de Calvino que terminou por levar à morte Miguel Serveto, queimado em 27 de outubro de 1553, trezentos e cinquenta anos antes. Porque se expressou com liberdade.

Serveto era médico e brilhante pensador, que ousou escrever um livro contra o Papa e Calvino. O reformador o ameaçou de morte, se voltasse a Genebra, mas denunciou Serveto à Inquisição, no ato mais desastrado de sua vida; o que deu em você Calvino? Tentar se esconder dos católicos em Genebra precipitou o precoce fim do livre pensador.

O curo salmo de Asafe que temos diante de nós condena exatamente um julgamento injusto como esse. Em vez da loucura arbitrária de Calvino, i salmista recomenda, em nome de Deus: socorram o fraco e o necessitado; tirem-nos da mão dos ímpios. E Asafe faz um reconhecimento que nem sempre é também o nosso: levante-te, ó Deus, julga a terra, pois a ti compete a herança de todas as nações. Você já percebeu que mais de uma vez, nesse devocionário, volto a considerar o perigo dos nossos julgamentos injustos, pois considero que é uma das maiores manchas éticas e morais do ser humano. Temos uma enorme dificuldade de saber quando erramos. Veja só o episódio de Calvino e Miguel Serveto, que mereceu um livro de Stefan Zweig. Mas eu poderia falar de Giordano Bruno, que também tem uma estátua expiatória em Roma, no lugar onde foi queimado pelos seus inquisidores. Ou de Galileu Galilei, que só escapou dessa sanha porque se retratou em público.

Nossa consciência seria de grande auxílio contra o erro, mas somos muito subjetivos em nossos critérios, mágoas e ódios – isso bloqueia mesmo a consciência bem intencionada.

O ideal seria colocar os julgamentos nas mãos divinas, como o salmista nos estimula: Levanta-te, Deus, e julga a terra. Quase sempre, porém, o ser humano quer julgar em nome de Deus, adivinhar os caminhos do Senhor, quando está envolvido em um problema até a cabeça. E aí toda a força termina nas mãos humanas, muitas vezes injustas.

Resta o julgamento da História, que fica entre os dois anteriores. E este é inexorável. Com o distanciamento histórico, se chega ao fulcro das questões, como vem acontecendo com os grandes criminosos, que terminam recebendo o fuzilamento, a cadeia ou a terrível execração pública. O que o homem semear, isso haverá de colher, afirma a Bíblia.

Há um fato histórico eu muito me impressiona, razão porque eu o repito com alguma frequência. É o confronto entre Paulo de Tarso, o apóstolo, e Nero, depravado imperador de Roma. A virtude e o vício.

Tem-se a impressão de que vence o lado diabólico, porque Paulo morre decapitado. Mas, passam os anos e, mesmo sem cogitar a respeito da responsabilidade por parte de Deus, a História faz justiça. E hoje nós colocamos o nome de Paulo em nossos filhos, e o de Nero em nossos cães.

Ore com o salmista: Levanta-te, Deus, e julga a terra.
É com certeza a melhor posição.


Rev. Jonas Rezende, formado em Teologia, Direito e Filosofia. Pastor emérito da ICI, professor universitário, e escritor.

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