Se os ocidentais reaprendessem a dançar...

Davi dançando diante da Arca, Karel van Mander (1548-1606)
Aleluia! Louvai a Deus no seu santuário... Louvai-o com adufes e danças. Leia Salmos 150

Texto do Rev. Jonas Rezende.

Em seu livro A origem da tragédia, Friedrich Nietzsche formula um feroz e indignada crítica ao Cristianismo, numa verdadeira rajada de acusações: repele a arte, todas as artes, tem uma hostilidade para com a vida, o que para ele fica claro nas expressões correntes – outra vida ou uma vida melhor. Nietzsche é contundente: o ódio ao mundo, o anátema das paixões, o medo da beleza e da volúpia, um futuro além inventado, para melhor desenhar o presente, é no fundo um desejo de aniquilamento, de morte.

Entendo que não é a moral cristã que renega a arte e a vida. Não é o Cristianismo, mas a cristandade. A cristandade merece, em grande parte, a crítica do filósofo. No entanto, a fé judaico-cristã aceita e estimula as artes, legitima a dança, a alegria, a vida.

Leia todo o salmo 150, o último do saltério. Poucos poemas são tão vibrantes como essa doxologia final. Nem os negros norteamericanos conceberam um culto mais alegre e musical: louvem a Deus no firmamento, obra do seu poder; louvem-no pelos poderosos feitos; louvem-no consoante a sua muita grandeza. Louvem-no ao som da trombeta; louvem-no com saltério e com harpa; louvem-no com adufes e danças; louvem-no com instrumentos de corda e com flautas; louvem-no com címbalos sonoros; louvem-no com címbalos retumbantes. Todo ser que respira louve ao Senhor. Aleluia!

É necessário reconhecer que as instituições religiosas castram, com frequência, as coisas puras e boas criadas por Deus. E a crítica de Nietzsche então procede.

Maurice Béjart, dançarino e coreógrafo francês, no prefácio que escreveu para o livro de Roger Garaudy Dançando a vida, fala de um povoado em uma ilha do Mediterrâneo, onde passou as férias. Lembra ele que os homens do lugar, quando conversavam discutiam e se desentendiam; uma verdadeira Babel. Mas quando dançavam, passavam alegres a noite toda e conseguiam se unir um ao outro e à Realidade Cósmica.

E Béjart fala da dança como um ritual sagrado que une o ser humano a Deus, à Natureza, ao Absoluto, pouco importa que nome dermos a ele. Mas a dança é também profana quando cumpre o seu papel de unir as pessoas entre si.

Conta-nos ainda Maurice Béjart que um dia desejou fazer ioga e pediu orientação a um mestre iogue da Índia. O mestre lhe disse: a palavra ioga significa união. E essa e essa união você pode encontrar na dança. Você é dançarino. Shiva, o Senhor do mundo, o grande iogue, tem também o nome Nataraja, isto é, o rei da dança.

E o mestre da Índia aconselhou Béjart: que a sua dança seja o seu ioga, não procure outro. E concluiu: Se todos os ocidentais pudessem reaprender a dançar....

Sempre que entro em contato com o noticiário ou vejo na televisão o rosto sério e convicto dos que declaram guerras, como se fosse um jogo de crianças, também penso: ah! Se essa gente reaprendesse a dançar. Muitas vezes, quando me encho de ira por causa da luz alta de um carro na estrada, que até pode não ser intencional, também me digo: bem que eu estou também precisando reaprender a dançar.

Antes da criação do Universo, a Bíblia diz que
o Espírito de Deus bailava sobre a face do abismo...
Reflita.

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