Juízes da vida plena

Sansão e Dalila, Peter Paul Rubens em 1609

Já faz um tempo que a consciência da humanidade vem sendo orientada por dois tipos de ética. Uma é a ética social, que é apresentada pelos ativistas e que denunciam os elementos e práticas nocivos à sociedade. São elas: as injustiças sociais, a corrida armamentista, o desmatamento das florestas naturais, a poluição do ar, a contaminação dos rios e dos oceanos, a fome, a segregação racial, entre outras. 

A outra ética seria a ética espiritual, da qual a grande promotora é a igreja e que faz observações severas quanto à honestidade, à temperança, à idoneidade moral, à humildade, à reta conduta, à perseverança e coisas afins. O estranho aos olhos de quem observa de fora estes dois tipos de comportamento ético, é que eles dificilmente ocorrem em igual intensidade em uma pessoa ou mesmo em uma organização, seja ela qual for.

Temos hoje movimentos que participam eficazmente na denúncia das práticas contrárias ao bem comum, mas que em nada se importam com a vida moral das pessoas. Por outro lado, temos também organizações seculares que reinventam práticas espirituais e morais, mas que não estão nem aí para o que acontece na esfera social do mundo.

Pode até ser que alguns desses organismos citados atuem nos dois sentidos, mas as atuações sempre privilegiam bem mais um dos lados. Isso pode ser constado pelo simples fato de não termos um nome, quer seja de homem, de mulher ou de instituição que seja reconhecido pela sua atuação equilibrada nestes dois terrenos ao mesmo tempo.

Eu sempre pensei que este fosse um mal da modernidade, das sociedades bem organizadas que surgiram nos dois ou três últimos séculos. Confesso, inclusive, que tenho feito algumas pregações neste sentido, acusando a modernidade deste vício, na tentativa de alertar as comunidades a quem me dirijo para esse mal que até então julgava ser mais ou menos recente. Porém, lendo calmamente o livro de Juízes na Bíblia Sagrada eu pude perceber o quanto eu estava errado nessas pregações. O quanto eu avaliei mal a incapacidade humana de focar, em uma só tomada, todas as situações pertinentes à vida humana. O quanto eu fui cego diante do óbvio que um escritor dois mil e seiscentos anos antes de mim já havia percebido.

Este livro cobre o período histórico anterior à monarquia de Israel. Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais reto (Jz 16.6).Um período em que as tribos judaicas eram independentes e sem um governo único. Esta situação impedia que uma consciência nacional fosse formada, como também facilitava que os povos vizinhos saqueassem as suas colheitas e escravizassem seus filhos. Nos períodos mais críticos, Deus levantava homens e mulheres para orientar e defender o seu povo. Embora o título de juiz não fosse apropriado, pois estas pessoas não tinham cargos vitalícios nem mesmo eram oficialmente investidas dessa autoridade, reconhecemos a crucial importância delas para a História da Salvação. Mas ainda assim, podemos observar que as suas atuações não abrangeram as duas necessidades básicas do povo de Israel: o direito à liberdade e a consciência do seu chamado por Deus.

Uns juízes, como Jair, Abesã e Elon, primaram os seus governos por julgamentos justos e pela preservação moral. Estes demonstraram com as suas vidas os bons exemplos que todos deveriam seguir. Porém, pouco se importaram em assegurar a liberdade do povo. Por outro lado, temos Sansão, Abimalec e Aod, que defenderam a nação com as suas próprias vidas, mas suas condutas morais deixaram bastante a desejar.

Esta é mais uma constatação de que em dez mil anos de civilização não aprendemos nada. E para piorar, não esquecemos nada. Continuamos século após século repetindo a nossa triste história de equívocos. Permanecemos convictos na nossa visão estreita e parcial de um ser que foi criado à imagem de um Deus que o quer como parceiro na construção da história e do mundo. Um Deus que nunca privilegiou um segmento da vida em detrimento de outro, pois formou o homem do pó da terra, insuflando-lhe o seu Espírito. Para reafirmar definitivamente essa realidade, enviou seu próprio Filho para nos mostrar que equilíbrio entre a vida espiritual, social e moral e não só possível, mas que é a única forma em que a vida realmente compensa ser vivida. Um Deus que convoca indistintamente a todos nós, para que sejamos juízes de uma vida plena.

Neste 24 de maio de 1738 Deus despertou um homem do seu ativismo religioso e lhe deu uma consciência que primou pelo equilíbrio entre os dois tipos de ética citados anteriormente. John Wesley não fundou igreja, não criou mecanismos de evangelização e jamais incitou o proselitismo convidando pessoas de outras denominações para a sua igreja. Ou seja, não se pode classificar o movimento chamado Clube Santo de um arroubo de religiosidade. Se Wesley pregou nas minas de carvão, criou também nas comunidades instrumentos para a valorização social do ser humano. Se exigia dos seus pregadores a leitura sistemática da Bíblia, apoiou de corpo e alma a iniciativa de Robert Raiks de uma escola de ensino secular para crianças que funcionava aos domingos. Tenho cá as minhas dúvidas se não foi ele o inventor da sabotagem. Represália do empregados que jogavam seus sapatos (sabots) nas máquinas com o intuito de quebrá-las. Sua admiração e apoio financeiro à profissão de sapateiro era indisfarçável. 

Nessa hora é que eu penso no seu legado: a Igreja Metodista. O que mais vejo são seus pastores tomando partido de um ou de outro político. Acusando ferrenhamente uns e defende com unhas e dentes outros. Não vejo da parte destes qualquer ação concreta contra o roubo que atravessa gerações; nenhuma iniciativa contra as leis que prejudicam a classe menos favorecida; nenhuma manifestação fundamentada no evangelho em favor da moralidade e da justiça.

Mais uma vez vamos celebrar um Dia do Coração Aquecido, um coração que levou menos de cento e cinquenta anos para ficar morno. Nem frio e nem e nem quente.

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