Sou o que sou ou o que faço?

Ascensão, ladrilhos em Barcelos
Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho. Porque de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós. I Co 3.6ss

O Papa Francisco, dentre outras coisas, me surpreendeu bastante ao abrir mão de seu título de mandatário da Igreja Católica, para ser chamado de Bispo de Roma, não apenas para se colocar em pé de igualdade com os demais duzentos e tantos bispos que poderiam ser eleitos, como ele foi, mas para se nivelar ao menos expressivo cristão no mundo. Embora alguns vejam esta atitude como demagógica e populista, pelo menos aqueles que não pensam assim deveriam assumir sobre si a enorme responsabilidade que ela encerra, ou seja, todos os cristãos são igualmente vocacionados ao ministério.

Comprovadamente a Igreja hoje está experimentando uma crise de personalidade. Já não existe nem mesmo uma marca que identifique quem é desta ou daquela denominação, mas isso ainda não é o pior: estamos sendo primordialmente identificados pelos nossos cargos e funções dentro da Igreja. Não bastasse a apropriação indevida de honrarias que deveriam sem conquistadas reconhecidamente por mérito, como era antigamente o título de Bispo, já há também uma hierárquica identificação pelo dom recebido. Não faz muito tempo foi postado neste blog o clamor de um cantor gospel que pedia pelo fim da cultura gospel. Nem mesmo os que levam a sério a música gospel estão suportando mais essa discriminação dentro de uma Igreja onde alguém deveria aspirar no máximo ser reconhecido como mais uma ovelha.

Paulo ao se deparar com este problema na antiga Igreja de Corinto deixou claro que cada ministério tem o seu valor: aquele que semeia igrejas tem para si a alegria do pioneirismo; aquele que sustenta o trabalho, o orgulho de não deixar a peteca cair. Ele continua dizendo que quem planta não é nada e quem rega nada é, porque o que realmente conta é o crescimento, e esse vem de Deus. Mas ele encerra dignificando o trabalho de cada um sem hierarquizar funções, mas reconhecendo o mérito do título que realmente conta: o de colaborador do Reino.

Fiquei feliz pelo fato do Papa Francisco ter nos advertido sobre este importante atributo da fé cristã, que já andava tão esquecido em nosso meio. Mas tanto ele quanto Paulo aprenderam de Jesus esse ensinamento. Jesus também fez com que os seus discípulos atentassem bem para este aspecto. Quando os setenta primeiros missionários cristãos voltaram, se alegravam contavam as vantagens de quem havia feito mais na sua missão. Jesus os interpela severamente dizendo: Porém não fiquem alegres porque os espíritos maus lhes obedecem, mas sim porque o nome de cada um de vocês está escrito no céu. Não seria esse o tesouro que a traça não corrói e os ladrões não roubam?

Mais ainda há um outro problema na crise de identidade: o da glorificação. O Papa se esvaziou de um título que recebera por mérito, para não motivar a tentação de ser visto como os demais Papas do passado. Andou de vidros abaixados para se misturar com a multidão, para ser visto, fotografado e filmado como mais um cristão no aglomerado. Paulo também pergunta aos coríntios: Quem é Paulo, quem é Pedro, quem é Apolo senão servos? Também foi de Jesus que eles aprenderam esta crucial lição sobre a glorificação de quem quer que seja. Quando aquele pequeno grupo se extasiava perplexo no principal momento de exaltação do ministério de Jesus, que foi a sua ascensão em glória depois da ressurreição, Deus envia seus anjos para mostrar-lhes o verdadeiro sentido do que estavam vendo: Eles ainda estavam olhando firme para o céu enquanto Jesus subia, quando dois homens vestidos de branco apareceram perto deles disseram: — Homens da Galileia, por que vocês estão aí olhando para o céu? Esse Jesus que estava com vocês e que foi levado para o céu voltará do mesmo modo que vocês o viram subir. Não seria essa a verdadeira expectativa da convivência numa fé de que se fundamenta exclusivamente na esperança?

O que Jesus fez na sua vida terrena, na sua paixão e na sua glorificação se tornará relevante para o mundo, na medida em que o fizermos voltar a esse mundo, através do compromisso que cada um assume sobre si, seja o de plantar, de regar ou mesmo de se reconhecer como um humilde colaborador da obra de Deus.

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