Sentar e chorar

Nas águas da Babilônia, Tissot

Sentados na beira dos rios da Babilônia, chorávamos quando lembrávamos de Jerusalém. Penduramos as nossas liras nas árvores que havia ali. Aqueles que nos levaram como prisioneiros mandavam que cantássemos. Eles diziam: “Cantem para nós as canções de Sião.” Mas, em terra estrangeira, como podemos cantar um hino a Deus, o Senhor? Salmo 137.1-4

Frequentemente somos assaltados pelos fantasmas que nos trazem as mais terríveis lembranças do nosso passado. Nós voltamos momentaneamente a sofrer as angústias dos momentos em que estivemos à beira de uma tragédia com maior intensidade do que quando as situações trágicas realmente ocorreram, e assim, tentamos imaginar o que seria de nós se aquele fato se consumasse. Mas a nossa consciência vem em nosso socorro e faz com que nos sintamos gratos por esse livramento novamente. Contudo, a nossa memória não é sempre tão bandida assim. Ela também nos traz lembranças boas, de situações de extrema alegria, nos transporta aos lugares maravilhosos que estivemos no passado, e nos coloca de novo diante das pessoas mais fantásticas que cruzaram a nossa vida. Nessa hora, quem age contra nós é também a consciência, fazendo com que mergulhemos numa profunda e amarga saudade. E o que nos resta senão sentar e chorar?

Isso não coisa de velho, pois crianças de dois anos de idade também se sentem assim; não é só coisa de gente, pois dizem que alguns animais também têm esse sentimento; não é coisa de fracassados, porque mesmo nas grandes vitórias contabilizamos inúmeras perdas e derrotas; também não é coisa da modernidade, porque o salmista há mais de dois mil e setecentos anos já passava por esta experiência e manifesta toda a sua indignação neste salmo que é a mais exata narrativa de uma tragédia. Essa é a história de cada um de nós que ainda guarda dentro de si um pouco de humanidade.

A psicologia chamaria esta tentativa universal de retorno ao ventre materno? Que outro nome vamos dar a isso? Melhor dizendo, será que vamos mesmo querer dar um nome a este bem maligno ou mal benigno? Talvez, quem sabe, alguns se atrevam a fazê-lo, na tentativa inútil de dominá-lo mais do que propriamente denominá-lo. Mas como dominar um bandido que nos assalta à noite, no despertar sobressaltado de um sonho ou, às vezes, à luz do dia, num acontecimento corriqueiro ou numa lembrança paralela?

O compositor Billy Blanco era oriundo de uma rica ascendência de judeus poloneses, e como todo bom judeu, desde muito pequeno ouviu e recitou por várias vezes este pequeno e triste salmo da Bíblia Sagrada. Baseados nisso, podemos afirmar com razoável certeza que, inspirado por este salmista ou de alguma forma influenciado pelo salmo, Billy compôs a célebre música a qual deu o nome apropriado de Canto Chorado, onde ele diz:
O que dá pra rir dá pra chorar.
Questão só de peso e medida.
Problema de hora e lugar
Mas tudo são coisas da vida

Como se pode ver, esse salmo é uma herança da humanidade e por mais que nos agrida os seus dois versos finais, ele é assustadoramente real. O saudoso rev. Jonas Rezende, que foi colaborador fiel e assíduo desse blog e das minhas incertezas, fez o seguinte comentário: Por essa razão o salmista se encoleriza e pensa na destruição do inimigo. Talvez com outra mentalidade, suplicasse o extermínio da inimizade, do exílio e da guerra. Todos nós participamos, como seres humanos, dessa valsa dos adeuses que desafia a nossa fé.

Vocês me desculpem, mas talvez este blog não fosse o local mais acertado para que eu escrevesse esse meu desabafo. Como adverte a música do Billy, o que dá pra rir dá pra chorar. Eu sei muito bem que estou acabando com a paciência de vocês, mas é que estou com uma saudade danada dos meus netos que se mudaram para os EUA e não consigo pensar em outra coisa alguma agora a não ser neles. Por isso eu vou dizer a quem me cobrar a frequência das minhas meditações: Como posso escrever algo minimamente razoável numa hora em que a saudade do Davi e da Alice está me matando? Como posso entoar o cântico do Senhor em terra estranha? Só me resta mesmo sentar e chorar.


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