A conversão dentro da conversão I

Ananias e Paulo, Pietro de Cortona (1596-1669)
O mundo evangélico trata a conversão como se ela fosse um divisor de águas que define, de uma vez por todas, a história da vida de uma pessoa. Não apresento qualquer novidade quando digo que o testemunho de vida de um evangélico se divide quase sempre em dois períodos distintos: o antes da sua conversão, e o depois da sua conversão. O que se pode observar de interessante nestes dois testemunhos é que as narrativas depreciativas e pecaminosas da vida pregressa são sempre acompanhadas de largos sorrisos, o que demonstra nitidamente se tratar de uma boa lembrança. Mas quando este mesmo indivíduo fala do seu estado atual de convertido, as suas feições se enrijecem e tom da sua voz muda imediatamente após pronunciar as seguintes palavras: mas agora não, eu sou uma nova pessoa.

Que é um momento crucial na vida daquele que não foi criado desde criança no evangelho e mais tarde assume espontânea e naturalmente a sua herança de fé quando adulto, ninguém pode questionar. Mas o fato é que ele não é e nem pode ser esse divisor de águas definitivo na vida de quem quer que seja. A assim chamada primeira conversão, aquela que torna um descrente em um crente em Jesus Cristo é apenas o primeiro passo de uma caminhada longa e difícil, mas altamente gratificante. Primeiro passo, era esse o nome que se dava a esse primeiro ato de fé, e ninguém em sã consciência pode esperar que o primeiro passo de qualquer longa caminhada seja o decisivo.

De antemão podemos identificar alguns dos grandes problemas nessa supervalorização do primeiro passo. O primeiro deles é a celebrização do novo crente, que passa imediatamente do estágio de não ser ninguém ao estado de ser alguém importante para Deus, como se antes ele não fosse coisa alguma. Se o recém convertido já é uma pessoa famosa na vida secular, então, já não se trata mais de celebrização, posto que este não precisa, mas sim de endeusamento. O neófito rapidamente se transforma na arma mais poderosa que a igreja ou a denominação adquiriu para a propagação do evangelho. Aquele que deveria antes de tudo se sentar nos banquinhos da Escola Dominical para aprender os elementos básicos da fé, passa a ocupar com toda a sua inexperiência e despreparo o púlpito central. Mal para ele, que não acerca das doutrinas fundamentais da fé, e com isso confunde os seus dois mundos: o de antes e o de depois, e em vez de se tornar um convertido de fato, torna-se um convencido por direito. Mal para a igreja, que faz acepção de pessoas, e passa a se comprometer com mensagens de alguém que em vez de pregar, deveria ouvir e ouvir muito.




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